
Por Thiago Mariani
Biólogo e doutor em Zoologia pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É vinculado ao Laboratório de Paleontologia e Osteologia Comparada da Universidade Federal de Viçosa e colaborador do Laboratório de Processamento de Imagens do Museu Nacional. Desenvolve pesquisas sobre a evolução de tartarugas, com foco em um grupo conhecido como Pleurodira.
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Os dinossauros são animais que muito fascinam as pessoas. Grande parte do que sabemos sobre essas criaturas vem dos ossos fossilizados encontrados por todo o mundo. E os filmes e os documentários já produzidos mostram como esse conhecimento pode influenciar a imaginação das pessoas, o que atrai muitos espectadores para as salas de cinema e os museus. A imponência de alguns dinossauros, e seus ossos, é realmente de cair o queixo.
Já o comportamento dos dinossauros muitas vezes é inferido a partir do que os ossos podem contar para os paleontólogos (ou o que eles interpretam). Entretanto, há casos em que os ossos não podem dizer muita coisa, porque é algo abstrato demais para se inferir somente a partir desses vestígios ou simplesmente porque o registro fóssil é de outro tipo: os icnofósseis. Esses tipos de fósseis são evidências indiretas dos hábitos de vida dos animais do passado, tais como rastros de trilobitas, túneis cavados por poliquetas e coprólitos (cocô fossilizado). No caso dos dinos, existem registros de suas passagens por alguns ambientes representados por pegadas fossilizadas. Esse tipo de fóssil é muito comum na localidade de Sousa, na Paraíba, um lugar que ficou conhecido como “O Vale dos Dinossauros”. Pois é, existem pegadas de dinos no nosso país. Maneiro, não acha?
Esses registros são interessantes porque mostram alguns possíveis hábitos dos dinossauros, como andar em bandos ou manadas. Até mesmo espécies diferentes de dinossauros andando juntos, um tipo de comportamento observado nas savanas africanas quando zebras, antílopes e gnus se aglomeram para pastorear (isto é, comer).
Em Sousa, os registros das pegadas remontam ao Cretáceo Inferior, entre 145-130 milhões de anos atrás. Nessa época, o supercontinente do sul, conhecido como Gondwana, começava a se fragmentar nas partes que mais tarde formariam os continentes da América do Sul, África, Antártica e Austrália, mais o que hoje é parte do Oriente Médio, a Índia e a ilha de Madagascar. Isso significa que Brasil e África ainda estavam fisicamente unidos – o oceano Atlântico começava a se desenvolver –, e a região Nordeste do Brasil tinha um clima quente relativamente seco, com rios e lagos temporários.

Foram nesses ambientes que as pegadas ficaram marcadas. Na medida em que os dinos caminhavam sobre as partes mais rasas dos ambientes aquáticos, suas pegadas marcaram o chão e em seguida foram cobertas por várias camadas de sedimentos, começando com mais finos (argilas) e seguindo para mais grosseiros (areias). A quantidade de pegadas em Sousa é tão grande que já foram identificados mais de 395 indivíduos!
Com relação à diversidade, não é possível atribuir as pegadas a alguma espécie de dinossauro, mas Leonardi & Carvalho (2002) indicam pegadas de grandes terópodes da família Abelisauridae e pequenos terópodes do grupo Coelurosauria; e pegadas de saurópodes talvez parecidos com Dicraeosauridae, Rebbachisauridae e, provavelmente, dos primeiros titanossauros. Também foram identificadas pegadas de ornitísquios quadrúpedes, ornitópodes e até impressões de natação de tartarugas (acredita nisso?!).
As pegadas de Sousa são muito importantes, tanto que estão protegidas no Monumento Natural Vale dos Dinossauros. Contudo, existem registros de pegadas de dinossauros ainda mais antigas no nosso país, encontradas nos estados do Rio Grande do Sul e de São Paulo.
As pegadas do sul do país foram descritas em formações geológicas do final do Jurássico (Formação Guará, 157-145 milhões de anos) e início do Cretáceo (Formação Botucatu, 137 milhões de anos). O mais interessante é que essas formações representam diferentes ambientes e possuem pegadas de diferentes tamanhos. A Formação Guará era um ambiente mais úmido (fluvio-eólico), portanto com condições ambientais para abrigar maior diversidade de fauna e preservar algum registro fossilífero. Tanto que há registro de dinossauros de maior porte, como ceratossauros, ornitópodes e saurópodes (Francischini e colaboradores, 2015). Já na Formação Botucatu, o ambiente era eólico e mais desértico (conhecido como o Deserto Botucatu), onde as condições de sobrevivência e de preservação eram menores. Assim, as pegadas encontradas são de terópodes e ornitópodes de menor porte, tanto que não foram encontradas pegadas de saurópodes.

Isso é bastante curioso, uma vez que Francischini e colaboradores (2015) sugerem um fator óbvio para a diferença entre as pegadas: a variação de dureza entre os sedimentos de cada ambiente, pois as areias do deserto não suportariam o peso de animais tão grandes como os saurópodes. Esse ambiente poderia ser prejudicial para esses animais e dificultar sua locomoção, além de poder causar lesões nos braços e nas pernas.
Recentemente, pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) descreveram pegadas um pouco mais antigas do que aquelas da Formação Guará (Christofoletti e colaboradores, 2021). Essas pegadas estão na Formação Piramboia, no estado de São Paulo, e foram identificadas como feitas por animais pesados, tais como dinossauros, em um contexto ambiental parecido com aquele da Formação Guará (no caso da Formação Piramboia, uma região úmida entre dunas de um deserto). Isso indica que lugares muito distantes poderiam ter tido uma correlação de tipos faunísticos (não necessariamente as mesmas espécies, mas, por exemplo, animais com tamanhos e hábitos parecidos). Além do mais, há pouca representatividade de dinossauros do período Jurássico no Brasil e essas pegadas aumentam as informações e o conhecimento sobre esses animais durante aquele tempo geológico.

Ainda que saibamos muitas coisas sobre os animais extintos – e os dinos – a partir de seus ossos, há aquelas coisas que somente seus caminhos podem nos dizer. Essas pegadas nos informam os tipos de animais que conviveram e como poderiam se comportar, complementando informações que a anatomia sozinha não diz. Há registro desses fósseis no Brasil, alguns felizmente protegidos como em Sousa. Outros adicionam informações sobre os dinossauros em um período em que poucos ossos foram encontrados, como o Jurássico. Há ainda o que se pesquisar. E seguir as pegadas que esses animais deixaram leva a um caminho diferente: onde antes havia mais conjunturas, pode-se seguir para algo mais concreto.
Referências
– Jornal da Unesp. Passos que fizeram tremer o chão. 25 de maio de 2022
– Francischini et al. 2015. Dinosaur ichnofauna of the Upper Jurassic/Lower Cretaceous of the Paraná Basin (Brazil and Uruguay). Journal of South American Earth Sciences.
– Christofoletti et al. 2021. Dinos among dunes: Dinoturbation in the Pirambóia Formation (Paraná Basin), São Paulo State and comments on cross-section tracks. Journal of South American Earth Sciences.
– Leonardi,G.; Carvalho,I.S. 2000. As Pegadas de dinossauros das bacias Rio do Peixe, PB. In: Schobbenhaus, C.; Campos, D.A.; Queiroz, E.T.; Winge, M.; Berbert-Born, M. (Edit.) Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil.
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