Por Cristina Rappa
Jornalista com MBA Executivo de Administração e especialização em Comunicação Corporativa Internacional. Observadora de aves e escritora de livros infantojuvenis com temática voltada à conservação da fauna
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A bióloga Martha Argel, de atuação reconhecida na ornitologia brasileira e coautora de guias de aves populares entre os observadores de aves no Brasil, coloca muito de sua energia no incentivo à valorização da fauna urbana. “Sempre tive fascínio por aves que estivessem ao meu redor”, diz, explicando que não há empecilhos para a observação da natureza que está próxima às pessoas e que isso faz com que todos, ao serem cativados por ela, passem a valorizar e a cuidar mais do seu ambiente.
“Cheguei nas aves mais do que em outros animais porque davam para ver mais facilmente e estavam ao meu redor. Sem falar no desafio de estudá-las, em função da grande variedade de espécies”, conta a bióloga. O Brasil conta, por exemplo, com quase duas mil espécies.
O interesse da paulistana Martha por aves urbanas começou na adolescência. “Eu estava no colegial (que equivale hoje ao ensino médio) e já pensava em criar um guia de aves da cidade de São Paulo. Minha professora de biologia me incentivou, mas acabei não conseguindo fazer por causa da rotina dos estudos”, conta ela, dizendo que as aves urbanas sempre a acompanharam pela vida e por onde ia. Seja para visitar parte na família no interior de São Paulo ou na Argentina, costumava observar aves munida de um guia de campo e um binóculo comprados no exterior, onde eram mais fáceis de encontrar na época.
Um dia, ela leu em uma matéria em um jornal que um observador e autor de livros sobre aves afirmava que na cidade de São Paulo só existiam dez espécies de aves, já que as demais teriam desaparecido. “Eu estava começando a observar aves, fiz uma lista onde morava e deu onze espécies. Pensei: ou eu sou um gênio ou na verdade tem mais coisa a ser descoberta”, diz.
Imaginando que o tal observador não teria informação suficiente, ficou instigada a observar aves na capital paulista. “Fazia listas em casa, na escola, e colocava essas listas no eBird (aplicativo do departamento de ornitologia da Universidade de Cornell, nos EUA)”, conta.
Foi durante a graduação em Biologia pela Universidade de São Paulo (USP) que ela intensificou a atividade. Seu trabalho de conclusão de curso (TCC), por exemplo, teve como tema as aves da USP, a partir de lista das aves do campus que já tinham sido estudadas por outra pesquisadora.
Anos mais tarde, no doutorado em Ecologia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), estudou a relação das aves com os frutos e a dispersão de sementes. “Esse tema científico é acessível a qualquer um. Basta você ver uma amoreira, um ipê, já pode observar e fazer ciência cidadã”, diz.
Ao longo de sua vida profissional, Martha atuou como consultora ambiental e deu aulas em faculdades sobre Ecologia Urbana e Educação Ambiental, em que promovia atividades na rua das pessoas, em parques e praças. “A fauna urbana parece simples, mas é um mundo a ser explorado”, acredita a bióloga que ainda participa e coordena grupos que falam de aves urbanas na rede social Facebook.
A bióloga escreveu ainda livros didáticos para o ensino médio e o fundamental 1, além de um livro infantil, chamado Voando pelo Brasil.
Depois se dedicou à literatura fantástica, publicando em 2009 O Vampiro da Mata Atlântica, pela Editora Idea. No livro, dois pesquisadores vão fazer análise de fauna para unidade de conservação, no alto do Ribeira (SP), quando ficam retidos na região em função de chuva forte. Encantam-se pela rica biodiversidade da região. Mas logo descobrem que há um vampiro, que suga o sangue de um deles; e eles lutam para escapar e salvar suas vidas. “Tentei no livro falar muitos dos animais e transmitir a sensação de estar no meio do mato”, diz a autora.
Com a crise no mercado de consultoria ambiental, há cerca de quinze anos, ela passou a trabalhar ainda com tradução.
Guias de aves para leigos
Em 2010, conheci Martha no lançamento do guia Aves do Brasil – Pantanal & Cerrado, da Wildlife Conservation Society do Brasil, lançado pela Editora Horizonte Geográfico, assim como o guia seguinte, Aves do Brasil – Mata Atlântica do Sudeste (2015). Eu nem pensava em observar aves quando fui convidada para o lançamento do guia Pantanal & Cerrados, pelo qual me encantei e que serviu de inspiração e material de pesquisa para o meu primeiro livro infantil, Topetinho Magnífico (Editora Melhoramentos, 2012). Depois dessa experiência, comecei a observar aves.
Se enganam aqueles que acham que esses materiais são atraentes e indicados apenas para ornitólogos e observadores de aves. Para Martha, eles têm o poder de aproximar as pessoas das aves. “Um guia de campo é uma ferramenta para promover a educação ambiental e para virar agente de mudança. Basta inserir as informações de uma forma bonita, lúdica”, diz, informando que o projeto dos guias da Wildlife Conservation Society foi concebido para atrair os não observadores de aves. Ou seja, gente a ser conquistada para a atividade.
“Foi um projeto maravilhoso e o grande truque dele é que não era o observador de aves que estávamos visando atingir e sim tornar os guias acessíveis para os leigos”, conta Martha. De acordo com ela, quem deu essas diretrizes foi John Gwynne, um dos biólogos estrangeiros autores dos guias. “Falamos a mesma língua”, diz sobre Gwynne.
O guia da mata atlântica, lançado em 2015, já partiu da visão de alguém que estava no Brasil – me conta Martha -, dando maior ênfase nas aves próximas das pessoas, pensando na população do Sudeste e seus grandes centros urbanos. “Pensamos na pessoa que mora na cidade ou na área rural e vai começar a observar aves na sua cidade ou fazenda”, diz a bióloga.
O cuidado em mostrar que a fauna está próxima das pessoas tem sido a preocupação de Martha, na elaboração desse guia e em todas as suas atividades. “O leigo tem sua profissão e tem a paixão pela natureza, que não é de posse de especialistas, mas de todos”, afirma.
Da janela
Na pandemia, Martha redescobriu a observação de aves como uma prática diária, sendo que, no auge das limitações causadas pelo coronavírus, a observação era feita pela janela ou varanda, na casa em que mora desde 1982, na zona sul da capital paulista.
“A pandemia deu oportunidade para as pessoas notarem que a natureza está muito mais próxima do que a gente imagina e deixou clara a necessidade que as pessoas têm de natureza”, diz, destacando os efeitos benéficos que momentos passados em ambientes naturais proporcionam para a saúde.
E não é que em uma dessas observações em seu bairro durante a pandemia Martha fez um lifer (registro de uma nova espécie de ave) para a cidade de São Paulo, ao observar no eucalipto seco na rua da sua casa um piuí-boreal (Contopus cooperi)? Ou seja, além de fazer bem para a saúde física e mental das pessoas, observar aves contribui com a Ciência.
“Do ponto de vista científico, o local onde a pessoa mora é onde ela tem a maior chance de gerar informação cientifica consistente e fazer ciência cidadã”, afirma a bióloga, reforçando que a atenção com o ambiente ao nosso entorno pode gerar informações importantes para pesquisas.
“Observação de aves é uma porta para a cidadania. Você passa a prestar atenção ao seu redor, a concluir sobre o que você gosta e não gosta, aumenta a sua sensação de pertencimento com relação ao ambiente, o que acaba te levando a uma ação. Ou seja, você vira um sujeito, um agente. E assim temos mais gente protegendo o que ama”, conclui, consciente de seu papel mobilizador de cidadãos pró-meio ambiente.
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