Por Kamila Bandeira
Bióloga com mestrado em Zoologia pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É doutoranda no mesmo programa, além de pesquisadora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Suas pesquisas estão focadas em Paleontologia de vertebrados
tuneldotempo@faunanews.com.br
Nas últimas décadas, as informações sobre os mais diversos tipos de vertebrados triássicos do sul do Brasil têm aumentado exponencialmente, especialmente as referentes a Supersequência Santa Maria. Diversas espécies de pequeno porte e que apresentam elementos esqueléticos bastante frágeis são observados nessa rica unidade geológica (como já visto em novembro de 2021), assim como dinossauros também são encontrados (como publicado em janeiro).
Dentre todos esses incríveis vertebrados fósseis encontrados, um deles sempre chamou atenção dos paleontólogos: o misterioso Faxinalipterus minimus Bonaparte, Schultz & Soares, 2010, que foi inicialmente identificado como um pterossauro muito primitivo, com base num material pós-craniano fragmentário (UFRGS-PV-0927-T) e uma maxila referida (UFRGS-PV-0769-T). Todos os ossos são provenientes de um único sítio, conhecido como Linha São Luiz (município de Faxinal do Soturno, no Rio Grande do Sul), sendo coletados em duas épocas de campo diferentes (2002 e 2005). Porém, a atribuição de Faxinalipterus ao grupo dos pterossauros (artigo de outubro de 2020) foi questionada por alguns estudos posteriores à descrição da espécie, ainda que nenhuma reavaliação mais formal tenha sido publicada até então. A atribuição da maxila isolada a essa espécie também permaneceu em aberto até que, neste ano, materiais recentemente descobertos puderam finalmente trazer respostas para esse enigma.
Num estudo publicado na revista científica PeerJ, unindo pesquisadores das mais renomadas instituições, os paleontólogos puderam identificar que alguns elementos ósseos foram identificados erroneamente nos trabalhos anteriores, sendo que, na verdade, alguns elementos pertenciam a uma espécie diferente. Enquanto os elementos pós-cranianos realmente pertencem ao Faxinalipterus, graças a novas análises – incluindo observações através da tomografia computadorizada –, os paleontólogos puderam observar que não há nenhum traço morfológico que indique que o Faxinalipterus poderia ser um pterossauro primitivo, como se achava anteriormente. Ele é pertencente a uma linhagem chamada de Lagerpetídeos, que seriam parentes próximos aos pterossauros. Ainda assim, o Faxinalipterus carrega uma combinação única de características entre os arcossauros, mantendo seu status de gênero e espécie válidos.
Já a maxila, observada conjuntamente com novos elementos cranianos e pós-cranianos, são na verdade algo diferente do Faxinalipterus. Assim, ela foi recém-nomeada como Maehary bonapartei – o nome do gênero, baseado na língua guarani-kaiowa, significa “quem olha para o céu”. Análises desse novo estudo indicam que o Maehary é um dos primeiros membros divergentes da linhagem que daria origem aos pterossauros (um grupo chamado de Pterossauromorpha). Além disso, a morfologia peculiar do novo táxon revela um novo tipo dentário para os arcossauros, caracterizado por coroas cônicas, não serrilhadas, com um par de sulcos orientados de cima para baixo. Esses dois vertebrados fósseis enigmáticos ampliam nosso conhecimento sobre a paleofauna do sul do Brasil, reforçando a importância da rica fauna de Faxinal do Soturno, não apenas para o nosso país, mas para o mundo, já que está intrinsicamente ligada à origem de diversos grupos importantes que reinariam por milhões de anos depois – como os pterossauros, imperadores dos céus, e os dinossauros, que dominaram em absoluto os ambientes terrestres.
Para saber mais
– Kellner AWA, Holgado B, Grillo O, Pretto FA, Kerber L, Pinheiro FL, Soares MB, Schultz CL, Lopes RT, Araújo O, Müller RT. 2022. Reassessment of Faxinalipterus minimus, a purported Triassic pterosaur from southern Brazil with the description of a new taxon. PeerJ 10:e13276
– Bonaparte JF, Schultz CL, Soares MB. 2010. Pterosauria from the late Triassic of Southern Brazil. In: Bandyopadhyay S, ed. New aspects of mesozoic biodiversity, Lecture notes in earth sciences, vol. 132. Berlin, Heidelberg: Springer-Verlag. 63-71
– Bonaparte JF, Schultz CL, Soares MB, Martinelli AG. 2010. La fauna local de Faxinal do Soturno, Triásico Tardío de Rio Grande do Sul, Brasil. Revista Brasileira de Paleontologia 13:233-246
– Soares MB, Dalla Vecchia FM, Schultz CL, Kellner AWA. 2013. On the supposed pterosaurian nature of Faxinalipterus minima Bonaparte etal, (2010) from the Upper Triassic of Rio Grande do Sul, Brazil. In Short communications. In: International symposium on pterosaurs, Rio Ptero. 95-98
– Leia outros artigos da coluna TÚNEL DO TEMPO
Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es)