Por Bruna Almeida
Bióloga e coordenadora do Projeto Reabilitação de Fauna Silvestre e das atividades de educação ambiental no Centro de Triagem de Animais Silvestres de Catalão (GO)
universocetras@faunanews.com.br
Os animais silvestres estão perdendo o seu espaço natural, sendo direcionados às áreas urbanas e aqueles que se adaptam ao ambiente urbano podem gerar incômodo e riscos à saúde da população. A fauna sinantrópica é definida no artigo 2º da Instrução Normativa do Ibama nº 141, de 19 de dezembro de 2006, como as populações animais de espécies silvestres nativas ou exóticas, que utilizam recursos de áreas antrópicas, de forma transitória em seu deslocamento, como via de passagem ou local de descanso; ou permanente, utilizando-as como área de vida. Diversos fatores colaboram para a permanência de algumas espécies nas áreas antropizadas, mesmo não sendo semelhante ao seu habitat natural.
Com a adaptação do seu comportamento ao meio urbano, a fauna sinantrópica usufrui bem desse “novo habitat”, como quando se alimenta de comida produzida no meio urbano e descartada inadequadamente. Ainda, utilizam estruturas para se abrigarem e se protegerem de predadores maiores, porém que não são presentes nessas áreas devido à concentração de pessoas.
Há animais sinantrópicos que são aceitos e tolerados em determinados locais pela população, mas existem também os que são considerados pragas e não tolerados pelos humanos, como os gambás.
Confundido com a jaratataca (Conepatus semistriatus), o gambá-de-orelha-branca (Didelphis albiventris), também conhecido como saruê, mucura, sariguê e cassaco, entre outros nomes conforme a região, é um marsupial que ocorre amplamente no território brasileiro. Assim como os cangurus e coalas, possuem uma bolsa denominada marsúpio, onde seus filhotes se desenvolvem após o nascimento.
Dentre as inúmeras espécies que são encaminhadas ao Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) de Catalão (GO), os gambás-de-orelha-branca são uma das espécies que mais possuem um histórico de agressão humana e maus-tratos. Recentemente, o Corpo de Bombeiros Militar de Catalão resgatou em uma residência do município um gambá-de-orelha-branca que apresentava perfuração ocular, o que resultou na perda da visão do olho esquerdo. Durante a triagem, foi constatada que se tratava de uma fêmea e seu marsúpio continha cinco filhotes ainda em desenvolvimento. A mamãe gambá segue em reabilitação, recebendo os cuidados necessários para a cicatrização do olho ferido e nutrientes essenciais para que seus filhotes se desenvolvam bem e possam retornar ao seu habitat de origem: nesse caso, as matas do Cerrado.
Todos os animais merecem uma segunda chance, até porque nós somos os causadores desse deslocamento e busca pela sobrevivência. Ao elaborar este artigo, procurei nos registros do Cetas as ocorrências de gambás feridos e veio a surpresa: grande parte é de fêmeas com filhotes.
De hábitos noturnos, os gambás se deslocam pelos muros, quintais, árvores das cidades, podendo ainda se instalar nos forros das residências (conforme nossos registros). As fêmeas e seu instinto maternal buscam um local seguro para permanecer em descanso, reduzir gasto energético e proteger a sua prole. No entanto, ao se depararem com humanos, são covardemente agredidas e, não conseguindo matar o animal, o agressor solicita o resgate, alegando que o espécime “fede” e oferece risco à população. Assim foi também com uma jararaca (Bothrops jararaca) agredida com tijolos na cabeça. Ela resistiu à pancada, foi encaminhada ao Cetas, reabilitada e devolvida à natureza.
Todos os animais possuem o seu papel ecológico e são fundamentais para o funcionamento dos ecossistemas. Os gambás possuem uma dieta onívora, são eficientes dispersores de sementes, e podem ainda atuar como controlador das populações de roedores silvestres. Além disso, são imunes ao veneno de serpentes (jararacas, cascavéis e corais verdadeiras) e resistentes à intoxicação das lacraias, alimentando-se desses animais. Para se defender de possíveis predadores, produzem em suas glândulas odoríferas um líquido fétido e também fingem-se de morto (mecanismo denominado como tanatose) até que o predador desista. Ao ser acuado, podem rosnar e mostrar os dentes de forma ameaçadora para se defender, como qualquer outro animal faria.
Nas palavras do Lulu Santos, em sua canção “Toda forma de amor”, na frase “Consideramos justa toda forma de amor”, aqui consideramos justa toda forma de vida. E com os gambás não é diferente. Vale lembrar que na Lei nº 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais), no Capítulo 5 referente aos crimes contra a fauna, o artigo 29 determina que matar, perseguir, caçar, apanhar, impede a procriação da fauna sem autorização, quem modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural está sujeito a penalidades.
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