Médica veterinária, mestranda em Ciências Forenses pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Agente da Polícia Federal com especialização em Polícia Ambiental
nalinhadefrente@faunanews.com.br
Quanto vale uma vida animal? Essa pergunta pode soar ofensiva, afinal a discussão sobre o valor de uma vida se dá normalmente no campo da Filosofia e, algumas vezes, no da Religião. Porém, ela jamais deve ser tratada como um assunto da Economia. A vida realmente é um valor intangível e, assim, sua singularidade e importância fazem com que qualquer tentativa de quantificá-la seja imensurável. Mas, quando o tema envolve crueldade, mortes e danos físicos, precificar a vida pode ser um importante recurso auxiliar no combate à criminalidade.
Sabe aquela famosa frase “Brasileiro só aprende quando mexe no bolso”? A nossa história mostra que ela tem fundamento. Um exemplo é a obrigatoriedade do uso de cinto de segurança, um equipamento que salva vidas e cujo uso evita cerca de 40% de consequências fatais em acidentes de trânsito (Observatório Nacional de Segurança Viária). Tal estatística se bastaria por si só para que todas as pessoas usassem esse recurso. Ainda assim, foi necessário o Estado impor uma multa para que isso virasse um hábito. Na década de 90, o equipamento passou a ser obrigatório. Se houve necessidade de estipular um valor quando o assunto foi impedir um dano direto à própria vida, que dirá um dano indireto que é a proteção ao meio ambiente?
E quanto ao tráfico da fauna silvestre? Todos sabem da importância da conservação ambiental, mas, mesmo assim, criminosos retiram animais de seu habitat para revendê-los causando, todos os anos, milhares de mortes e muito sofrimento. A retirada de animais da natureza ocasiona um prejuízo difícil de mensurar, afetando sua função no equilíbrio ambiental, como no controle biológico (vulgo “controle de pragas”), na dispersão de sementes e também na manutenção do clima.
A Lei nº 9.605/1998, em seu artigo 20, afirma o seguinte: “A sentença penal condenatória, sempre que possível, fixará o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido ou pelo meio ambiente.”
Conforme se pode notar, tal lei, como forma de reparação de um dano, já apresenta um dispositivo permitindo que, na sentença penal condenatória, seja aplicada uma espécie de ressarcimento monetário para uma perda considerada intangível. Constata-se que o espírito dessa lei avança no sentido de mensurar a vida, isto é, a perda ou dano aos seres pertencentes ao mundo natural. Portanto, para maior efetividade na aplicação desse artigo, temos de tornar SEMPRE possível tal mensuração para que os infratores sejam obrigados a ressarcir, monetariamente, todos os prejuízos por eles causados à natureza, da qual todos nós, inclusive eles, nunca é demais lembrar, fazemos parte.
Os gastos de uma reabilitação são altíssimos e quem os paga é o poder público. Tal encargo teria de ser de responsabilidade dos infratores e, para que isso ocorra, a mensuração de uma vida precisa ocorrer. Nesse sentido, adotando um procedimento que pode ser educativo, as atitudes ilegais resultarão também em perda monetária. A obrigatoriedade de pagar pelas vidas retiradas da natureza funciona certamente como mais um fator inibidor do crime.
Durante os trabalhos realizados pela polícia de combate ao tráfico de animais silvestres, é importante que se crie uma rotina de monetizar a vida que foi retirada da natureza. É preciso dar um preço ao ser da natureza que, até então, é considerado intangível, valorando monetariamente cada animal atingido pela ação criminosa. Urge que seja incluída, na penalidade aplicada, a obrigatoriedade de pagar, literalmente, pelo número de animais retirados de seu habitat. A monetização não só é importante para ressarcir os gastos do Estado com a reabilitação como também será mais um instrumento de combate ao tráfico de animais. Fazer doer no bolso do criminoso constitui uma importante ferramenta estratégica adicional que, além de justa, traz mais eficácia e efetividade no enfrentamento ao crime ambiental.
– Leia outros artigos da coluna NA LINHA DE FRENTE
Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es)