Gestor ambiental e fundador da Associação Protetora dos Animais Silvestres de Assis – Apass, que mantém um Cetras no interior paulista
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Quem trabalha na área da gestão de fauna silvestre sabe que com a chegada da primavera o fluxo de filhotes aumenta. Isso se deve ao fato dois fatores, sendo um positivo e outro negativo.
O positivo é que a chegada da primavera nos proporciona belas paisagens, como as flores de Ipês e os frutos. É um período rico na produção de flores e novas folhagens, de chuvas que propiciam o enchimento de reservatórios, de chuvas que resultam no desenvolvimento rápido de brotos, gramíneas e frutos, de chuvas que trazem de volta a vida àqueles locais outrora devastados pelo fogo na estação passada, e que inclui o milagre da reprodução de várias espécies de aves, mamíferos e répteis.
Nós, aqui do Centro de Triagem e de Reabilitação de Animais Silvestres da Associação Protetora dos Animais Silvestres de Assis (Apass), entre setembro a fevereiro de todo ano, nos preparamos para a chegada de filhotes – o lado negativo da estação -, adquirindo alimentos específicos, medicamentos, suplementos, mamadeiras, papas para esses pequenos, caixas de transporte, recintos de acomodação de recém-nascidos, etc. Este ano não foi diferente dos demais e já estamos cuidando de vários filhotes de várias espécies.
Mas, por que isso ocorre?
Isso se deve ao fato, ao menos na região de Assis, centro oeste paulista, onde a APASS se localiza, coincide com a movimentação dos canaviais e das plantações de soja e milho.
Os animais silvestres utilizam os canaviais para se deslocarem, se alimentarem e se protegerem, fazendo desses ambientes um grande corredor verde temporário enquanto a cana de açúcar cresce. Mas, ao contrário do que as pessoas imaginam, os acidentes e encontros com animais silvestres não acontecem somente no período de corte da cana, período chamado de safra. As grandes áreas de cana de açúcar são manejadas constantemente com adubação, plantio de novas mudas, incêndios criminosos, ampliação das áreas de cultivo, aplicação de pesticidas por aeronaves ou pulverizadores acoplados a tratores, irrigação constante com resíduos líquidos da própria usina (conhecidos aqui na região como “tiborna” ou “vinhoto da cana”), lançamento de adubos químicos e orgânicos (como a “torta de cana”, feito de restos da queima em caldeiras do bagaço da cana de açúcar), além do trânsito de veículos e pessoas.
Por outro lado, nas áreas que não têm cana-de-açúcar, temos as plantações de milho e soja, que não dão chance alguma de sobrevivência para animais de muitas espécies, incluindo insetos. Nessas terras há a pulverização de inúmeros agrotóxicos e, devido a uma característica muito distinta desse meio de produção, que deve ser realizado em períodos muito precisos (pois as plantas crescem muito rápido e dependem de janelas climáticas alternadas entre sol e chuvas), não se permite que os animais silvestres tenham chance de utilizarem essas áreas como meio de abrigo ou para o uso de alimentos cultivados.
O resultado é o que sempre tem ocorrido ao longo dos últimos anos: o aparecimento de animais silvestres feridos, abandonados em seus abrigos e ninhos, atropelados nas rodovias e estradas que acompanham ou cortam essas plantações e envenenados por agrotóxicos. Recebemos também os afugentados que buscam socorro nos sítios, chácaras e cidades próximos das plantações. Fica a pergunta: “até quando ?”
Chegou a hora das empresas que vivem do agronegócio ou da pecuária se conscientizarem sobre essa questão grave. Devemos orientá-los e instruí-los a respeito desse problema que vem se arrastando ao longo dos anos, apresentando a questão não só da educação ambiental, mas também da compensação ambiental, da reparação dos danos e das ações mitigatórias dos impactos ambientais que prejudicam a fauna e reparatórias em casos que já houve o dano. Tudo isso de forma voluntária, com projetos que trazem benefício para os negócios, agregando valor ao produto, conservando as espécies, instituindo a educação ambiental no âmbito da empresa para seus colaboradores, estimulando-os sempre com palestras, ensino e instrução.
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