Biólogo, mestre em Biologia Animal pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). É coordenador do Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) Tangará da Agência Estadual de Meio Ambiente de Pernambuco (CPRH), em Recife, e coordenador técnico do projeto de reabilitação, soltura e monitoramento de papagaios-verdadeiros intitulado de Projeto Papagaio da Caatinga
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Animais da espécie Puma concolor (onça-parda) possuem hábito alimentar totalmente carnívoro e preservam o comportamento de caçador como todos os felinos, rejeitando as ofertas de carniças disponíveis no ambiente. Tem uma área de ocorrência bem expressiva, existindo em todos os biomas brasileiros. A espécie está como “pouco preocupante” na Lista Vermelha da IUCN, porém, de forma local, existem muitos ambientes em que está em declínio populacional, principalmente devido à exploração imobiliária e o desmatamento por pastagem.
Em setembro de 2016, em viagem ao sertão pernambucano para soltura e monitoramento de fauna reabilitada no Centro de Triagem e Reabilitação de Animais Silvestres (Cetras) Tangará, da Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH), fomos solicitados para resgatar um filhote de onça-parda que tinha perdido a mãe, o que nos surpreendeu, pois nunca tínhamos recebido tal pedido nesses já 14 anos trabalhando em Cetras. A partir de então, começamos a jornada para cuidar dela e formular um projeto para retorno ao seu ambiente quando estivesse apta ao procedimento de soltura. Fizemos a promessa de reparar o dano causado pela perda de sua mãe e da liberdade.
No Cetras Tangará não é permitido colocar nome nos animais que são recebidos devido à possibilidade de apego e da humanização que se dá quando se faz isso. Porém, no caso dessa onça, foi algo peculiar e acidental. Ele chegou com a indicação de ser uma fêmea e, quando verificamos, descobrimos tratar-se de um macho. Como as pessoas que cuidavam dele o chamavam de Juma, acabamos brincando de que Juma na verdade era Diego (referência ao tigre-dente-de-sabre do desenho Era do Gelo). Ficou impossível não atrelar esse animal ao nome dado na brincadeira.
Desde então, foram cinco anos de trabalho com uma dieta fornecendo todos os nutrientes necessários para sua manutenção e reabilitação comportamental, o que incluiu presas vivas para incentivar o instinto de um predador, além de mantê-lo em um recinto isolado de contato humano para conservar, o máximo possível, o comportamento selvagem.
Porém existia uma etapa da reabilitação que, diante das estruturas atuais do Cetras Tangará, não seria possível ser realizado, sendo necessário outro local de apoio. Para a reabilitação física, precisamos contar com o recinto de reabilitação de felinos do Centro de Manejo de Fauna da Caatinga (Cemafauna) da Universidade do Vale do São Francisco (Univasf), em Petrolina (PE). Precisamos realizar a translocação do animal do Tangara para o Cemafauna e, pra tal procedimento, foi necessário todo um esquema especial.
Para a translocação, optamos por manter a onça acordada devido aos riscos de sedação de um animal do porte dela. Com isso, era preciso que fosse realizado um esquema para que ela entrasse na caixa de transporte de forma espontânea. A caixa foi colocada no recinto 20 dias antes para ganhar os cheiros do local e, assim, não ser um algo estranho para ele. Também deixamos o animal em jejum para tentar atrai-lo ele com alimento.
No dia do transporte, a caixa foi colocada com a porta em guilhotina acionada na passagem de um recinto para outro. Quando o animal foi afugentado, ele entrou na caixa, que teve sua porta abaixada e travada.
O transporte se deu por via terrestre por mais de 800 quilômetros no período noturno, diminuindo o estresse térmico e de movimentação durante a viagem em uma van cargo climatizada. Foram pouco mais de 12 horas com paradas estratégicas para avaliação do animal, abastecimento e descanso dos motoristas. Na equipe de transporte contamos com a veterinária Natália Costa no monitoramento de saúde e dois biólogos (eu e Tatiana Clericuzi) para avaliar o comportamento de estresse durante o percurso, além da equipe de motoristas e técnicos da agência e do Cemafauna.
Já no centro de Petrolina, era a hora da soltura do animal em seu novo recinto, com o clima de sua região de origem e enriquecimentos ambiental para reabilitação física e comportamental. Em seus primeiros passos no piso de areia do recinto, ele demostrou-se inapto a se locomover no solo com os espinhos e desconfiado com o novo ambiente. Mas, ao fim dos quatro dias monitorados, já se mostrava mais ambientado com o clima e a aridez de sua terra natal, a caatinga.
Nesse próximo ano, os esforços serão em estabelecer uma área de soltura segura e propicia para o retorno à liberdade. O processo se dará de forma branda, ou seja, ele será colocado em um recinto no local de soltura para ambientação e monitoramento.
Continua…
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