Por Cláudia Xavier
Bióloga, mestra em Zoologia pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e pelo Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e doutoranda em Zoologia (UFPA/MPEG). Trabalha no Laboratório de Aracnologia do Museu Emílio Goeldi
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Quando pensamos em aracnídeos, provavelmente a primeira coisa que vem à cabeça da maioria das pessoas são aranhas, especialmente aquelas com muitos olhos. No entanto, entre as mais de 10 ordens existentes da classe Arachnida (não são só aranhas e escorpiões, acredite!), encontramos um grupo bem especial, pouco conhecido, que possui uma história bem interessante: a ordem Ricinulei.
Mas quem são eles? Como a maioria dos aracnídeos (límulos são um caso a parte), possuem oito pernas, um par de pedipalpos (o segundo par de apêndices articulados e móveis), um par de quelíceras (o primeiro par de apêndices, muito usados na predação) e são predadores. Porém, os ricinulídeos possuem um exoesqueleto bem espesso, podem parecer uma aranha ou carrapato um tanto “desajeitado” (não à toa são chamados em inglês de hooded tick spider, algo como “aranha carrapato encapuzada”) e se você procurar os olhos nesse bicho, não irá encontrar. Os ricinulídeos são bem pequenos (cerca de 5-10 milímetros) e possuem uma estrutura chamada “cucullus” – palavra que deriva do latim e quer dizer “capuz” – que é móvel e quando está abaixado cobre a boca e as quelíceras. Outra característica morfológica interessante desses animais é a terceira perna dos machos modificada para a transferência de esperma na cópula.
Onde encontramos? Esses animais vivem no solo e na serapilheira das florestas, mas também podemos encontrá-los em ambientes de caverna.
Fósseis desses pequenos aracnídeos datam do Carbonífero e o Cretáceo, isto é, quando a América do Sul e a África ainda estavam ligadas, milhões de anos atrás. Isso inclusive pode explicar sua distribuição atual: norte da América do Sul e uma porção da África. Por constituírem uma linhagem tão antiga, os ricinulídeos sobreviveram aos eventos de extinção em massa que ocorreram em nosso planeta. Fantástico, não?!
A história taxonômica dos Ricinulei é um tanto confusa, mas ainda assim interessante de abordarmos um pouco. O primeiro integrante desse grupo a ser descrito foi um fóssil, em 1837, pelo inglês William Buckland. Naquela época, acabou sendo classificado como um besouro. Mas não julguemos mal o nosso colega inglês, afinal o primeiro ricinulídeo vivo só foi descrito no ano seguinte (1838) pelo entomólogo francês Félix Guérin-Meneville. Ainda assim, o nome Ricinulei só foi estabelecido por Tamerlan Thorell em 1892. Por muito tempo, acreditou-se que esses animais fossem bastante raros, muito por causa de sua baixa amostragem em diversos inventários de fauna realizados. Entretanto, foram encontrados em certa abundância em um fragmento florestal em Belém (PA) com uma coleta direcionada. O que é, de fato, bem curioso. Talvez baste saber procurar dependendo da região.
https://www.youtube.com/watch?v=fXXw_krF1fc
Encontrar um ricinulei vivo é um sonho para muitos aracnólogos ou amantes da área. Eu já tive essa oportunidade algumas vezes, o que associo com a vantagem de morar na Amazônia. Em um primeiro momento, a impressão que temos é que ricinulídeos são bichos letárgicos, o que geralmente não é esperado para um predador (veja aqui nesse vídeo em velocidade real feito pelo biológo e macrofotógrafo César Favacho), mas uns anos atrás acabei levando um “olé” a lá Ronaldinho Gaúcho de um pequeno machinho no laboratório. Eu literalmente pisquei e, de repente, o pequeno artrópode já havia sumido e nunca mais o encontrei: 1 x 0 para os Ricinulei. Em outra oportunidade, enquanto colaborava em um monitoramento de fauna em Juruti (PA), estávamos nos organizando para voltar da coleta noturna e, em dado momento, quando mirei a lanterna para o chão ao lado do carro, lá vinha uma “aranha estranha” (perdoem a minha miopia) caminhando apressada. Quando olhei mais de perto e reconheci do que se tratava, o brilho nos olhos foi instantâneo. Experiências que fazem qualquer amante dos artrópodes suspirar (e aqui empatamos o placar).
Atualmente existem menos de uma centena de espécies descritas para esse grupo –negligenciado por tanto tempo – alocados em uma única família. Certamente, muitas informações ainda estão por serem descobertas acerca de seu comportamento, técnicas de predação, alimentação, cópula, espécies novas, fósseis, seu status de conservação etc. Ricinulídeos são animais fantásticos, particularmente incluídos no meu conceito de “fofofauna” dentre os artrópodes. Espero ter despertado um pouco de curiosidade em você, que está lendo este texto e que assim os ricinulídeos ganhem mais simpatia. Afinal, não fazem mal nenhum a nós, seres humanos.
Referências
– Barreiros, José & Pinto da Rocha, Ricardo & Bonaldo, Alexandre. (2005). Abundância e fenologia de Cryptocellus simonis Hansen & Sorensen, 1904 (Ricinulei, Arachnida) na serapilheira do Bosque Rodrigues Alves, Belém, Pará, Brasil, com a comparação de três técnicas de coleta. Biota Neotropica. 5. 1-9. 10.1590/S1676-06032005000200006.
– Fernández, Rosa & Giribet, Gonzalo. (2015). Unnoticed in the tropics: Phylogenomic resolution of the poorly known arachnid order Ricinulei (Arachnida). Royal Society Open Science. 2. 10.1098/rsos.150065.
– Hooded Tick-Spiders (Arachnida: Ricinulei). Disponível em: https://www.americanarachnology.org/about-arachnids/arachnid-orders/ricinulei/
– The forgotten arachnids: Ricinulei. Werner de Gler. Disponível em: https://eartharchives.org/articles/the-forgotten-arachnids-ricinulei/index.html
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