Por Suzana Padua
Mestra em educação ambiental e doutora em desenvolvimento sustentável. Co-fundadora e presidente do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas e da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (Escas)
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Como formaremos uma nova geração de conservacionistas com entre 70% a 80% da população humana vivendo em centros urbanos? O contato com a natureza, que muitos de nós tivemos na infância, não mais é tão comum. E são as experiências ao ar livre e em contato com a terra, plantas, insetos, pássaros e outros animais em geral que criam vínculos entre o ser humano e o mundo natural. Esses vínculos de afeto muitas vezes são o que despertam curiosidade, interesse e amor.
Um artigo que me inspira nessa linha de pensamento é de autoria de Jim Dietz, que foi professor da Universidade de Maryland. Em pesquisa realizada por seus alunos com vários organismos governamentais e da sociedade civil ligados ao meio ambiente em Washington, 100% haviam escolhido o rumo profissional de suas vidas ligado à proteção ambiental por conta de terem tido contato direto com a natureza quando crianças.
Coincidentemente, Lou Ann Dietz, sua mulher, teve uma enorme influência como educadora ambiental com o programa de conservação do mico-leão dourado, inovando metodologias e abordagens que envolvessem as comunidades locais para que elas pudessem ter contato e se encantassem com as áreas naturais. Essas experiências foram compartilhadas com educadores ambientais no Brasil, contribuindo para mudar a visão adotada na maioria dos países que se restringia à proteção ambiental per se. O envolvimento social em prol da conservação é chave para a eficácia de se proteger a natureza. Na verdade, é a humanidade que tem provocado os maiores danos e, por isso, é ela que precisa mudar sua forma de ver e se relacionar com a natureza.
Tenho feito um exercício quando dou palestras, principalmente aquelas com grandes públicos. Por exemplo, no Congresso de Primatologia realizado em Teresópolis em 2019, antes da pandemia, a plateia estava cheia! Eram centenas de participantes. Pedi que levantassem a mão todos que tiveram contato com a natureza durante a infância. A quantidade de mãos foi impressionante, eu diria que mais de 95%. Se essa é a condição para se escolher uma profissão ligada à proteção da natureza, ou mesmo que inclua na carreira agendas ambientais ou socioambientais, é portanto um fator de grande relevância.
Minha questão resume-se em como podemos resgatar esse amor pelo mundo natural vivendo em um centro urbano? Os desafios são grandes, mas vou praticar aqui um “tororó de palpites” para propor algumas possibilidades, sabendo que muitas mais poderiam enriquecer essa lista, apenas como começo de uma reflexão. Aliás, esse poderia ser tema de um encontro para que diversas ideias pudessem ser trocadas, enriquecidas e estimuladas. Aqui vão algumas que pensei:
1 – Aproveitar as áreas naturais urbanas como parques e praças, apesar de que muitas não são atraentes e até inspiram perigo. Sugestões de como transformá-las incluem envolver comunidades locais e empresas para que adotem esses locais, onde podem ser inseridas placas interpretativas com aspectos que despertem a sensibilidade ou informações instigantes e interessantes, além do estabelecimento de cantos temáticos.
2 – Usar a arte como meio de tocar o indivíduo no seu âmago – mente e coração, que é essencialmente o diferencial da educação ambiental. Enquanto a educação tradicional compartilha principalmente conhecimentos, a educação ambiental inclui também sensibilização e estímulo à participação cidadã. As manifestações artísticas são, sem dúvida, canais de expressão da alma.
3 – Viajar a áreas naturais que ainda estejam em bom estado de conservação, ou em família ou em grupos escolares. Essas experiências são muitas vezes inesquecíveis e as memórias ficam guardadas em detalhes, o que valoriza a natureza e as vivências nela experienciadas.
4 – Estimular a leitura de livros de histórias com desenhos ou fotos de animais selvagens, plantas e árvores, por exemplo, o que pode ser um caminho para despertar amor pelo patrimônio natural da região onde se vive, do país ou do planeta. O mesmo pode ser feito com peças de teatro com fantoches ou marionetes, com narrativas estimulantes sobre temas socioambientais de uma região.
5 – Observar folhas diferentes e outros elementos da natureza com uso de lente de aumento para se perceber detalhes muitas vezes ignorados. Muitos aspectos podem comumente ser comparados com aqueles encontrados em esferas maiores (fotos aéreas de alguns biomas) ou menores (como partes do corpo humano).
6 – Desenvolver projetos com uso de materiais descartados, mas que retratem ecossistemas e seus elementos, por exemplo cursos d’água, como rios, mares, manguezais; ou florestas, plantações e moradias. Se bem orientada, uma atividade assim introduz conceitos como assoreamento, importância das matas ciliares, cadeia alimentar e necessidades socioambientais diversas, estimulando imaginação e criatividade dos participantes.
7 – Promover exposições de arte e ciências ligadas a aspectos ambientais, mesmo que possam ser exibidos em festas familiares, escolas ou eventos comunitários, fomentando a autoestima e a sensibilidade para temas afins.
8 – Explorar as mídias sociais, mas com incentivos às pessoas buscarem contato com a natureza e curiosidades que as levem a pesquisar elementos da vida natural.
9 – Estimular que se assistam filmes e documentários ou programas televisivos ou de internet sobre meio ambiente e sustentabilidade. A Mostra Ecofalante, filmes da Natural Geographic e Animal Channel são exemplos a serem explorados.
10 – Organizar encontros presenciais ou virtuais com pessoas interessadas em trocar experiências sobre visitas a áreas naturais com dicas do que levar, como evitar danos ao ambiente natural e como se proteger adequadamente de qualquer risco ou inconveniência que possa trazer má impressão.
11 – Buscar jogos e atividades com temas ligados à natureza que estimulem a curiosidade e uma troca de informações entre pares.
12 – Buscar histórias de pessoas inspiradoras que transformaram suas vidas por conta do contato com a natureza, seja por amor a uma espécie, a um ecossistema ou ao planeta.
Essa é a primeira vez que abordo esse tema porque vejo ser de importância fundamental. Precisamos descobrir meios de tocar e envolver os cidadãos que vivem nos meios urbanos a se encantarem pelo patrimônio natural do Brasil e do mundo. Como fazê-lo, cabe a nós descobrir, mas me parece essencial.
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