Por Elidiomar Ribeiro da Silva
Biólogo, mestre e doutor em Zoologia. Professor do Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), responsável pelo Laboratório de Entomologia Urbana e Cultural
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O Dia das Mães é uma das datas de maior sensibilidade emocional de nosso calendário. Criado para celebrar e agradecer todas as mães pelo amor e o carinho dedicados aos filhos, o Dia das Mães é uma data móvel, ou seja, o dia a ser comemorado depende do ano. No Brasil, sempre corresponde ao segundo domingo do mês de maio. Já em outros países, é comemorado em outras datas, que vão desde março até dezembro [1].
Infelizmente, diante da pandemia de Covid-19 e da necessidade absolutamente imperativa de isolamento físico, em 2021, assim como já foi em 2020, o Dia das Mães tem sido diferente: aos filhos que moram em domicílio diferente ao de suas mães não foi recomendada a visita [2]. A célebre frase “Mãe é mãe, só muda o endereço”, usada para celebrar igualmente todas as mamães, teve que ser adaptada para o “Mãe é mãe, só muda o WhatsApp (ou similar)”. Assim, nós, brasileiros, não pudemos abraçar presencialmente as nossas respectivas mamães no recente dia 9 de maio, mas, se passarmos a nos comportar corretamente quanto ao combate à pandemia, oxalá possamos fazer isso em 2022.
Com o maior uso da internet e das chamadas redes sociais, uma consequência de tudo o que vivemos na atualidade, o Dia das Mães, que já é normalmente uma tremenda fonte de memes, teve essa particularidade incrementada. A vasta lista de memes inclui desde alusões a corretivos aplicados pelas progenitoras nos filhos arteiros (haja chinelo!) até à anualmente presente polêmica sobre as “mães de pet”. E, assim, chegamos aos outros animais.
Em época de Dia das Mães, muitos animais que não o Homo sapiens passam a ter sua maternidade exaltada. Leoas, com sua defesa feroz à prole; tartarugas-marinhas, com sua busca abnegada e exaustiva a praias em condições ambientais favoráveis para a penosa postura dos ovos; crocodilos e peixes, colocando seus filhotes na própria boca para protegê-los das agruras da vida natural; aves diversas, cuidando e alimentando amorosamente seus filhotes, incluindo os adotados (como é o célebre caso do cuco)… Até mesmo aranhas-lobo, escorpiões e lacraias, bichos sem grande simpatia popular, aparecem carregando e protegendo a cria nos memes do Dia das Mães. Interessantemente, o grupo mais abundante e diversificado de todos, os insetos, aparentemente ficam de fora dessa celebração emocionante.
Não é bem assim. Há mamães no mundo dos insetos para todos os gostos e estratégias adaptativas. Eu precisaria do espaço de umas dez colunas para dar um tênue panorama, diante de tamanha complexidade comportamental. Vou fazer um resumo do resumo do resumo.
Começando pela ordem Ephemeroptera, que já foi mencionada algumas vezes neste espaço [3] [4], as efeméridas, grupo basal de insetos cujas formas imaturas são habitantes dos corpos de água doce. Algumas efeméridas mamães sequer necessitam de papais para a reprodução. Como é o caso de Caenis cuniana (família Caenidae), espécie habitante de alagadiços temporários, sujeitos ao ressecamento. Naturalmente, em tais condições extremas, tempo é mais do que dinheiro: é sobrevivência! E as fêmeas se reproduzem por partenogênese, produzindo cópias idênticas de si mesmas, sendo os machos muito menos frequentes [5].
Outras espécies, como as do gênero Campsurus (família Polymitarcyidae), possuem estratégias reprodutivas bastante diferentes. Nelas, fêmeas e machos produzem grandes revoadas nupciais em que ocorre o acasalamento no ar, após o que as mamães caem e, em contato com a água (ou algum outro líquido), “explodem” seu abdome, liberando os ovos [6]. Muitos habitantes de áreas ribeirinhas, especialmente na Amazônia, eventualmente tomam sopa ou comem macarrão instantâneo enriquecidos com ovos das efeméridas que “explodiram” na refeição.
Considerada por muitos especialistas como sendo um grupo próximo ao das efeméridas, a ordem Odonata, composta pelas libélulas e libelinhas, também tem imaturos habitantes de água doce. As mamães desse grupo apresentam muitas estratégias diferentes para postura de ovos. Muitas usam uma estrutura própria, um ovipositor, que tem forma de lança para inserir ovos em caules de plantas, em musgos, em madeira apodrecida ou no solo úmido. Mas, na maioria das espécies, o ovipositor não é funcional, sendo necessário levar os ovos à água. Assim, em voo, as mamães mergulham a ponta de seu abdômen no corpo de água – movimento que valeu às libélulas os nomes populares de lavadeira e lava-bunda [7] [8].
Muitas mamães insetos dedicam tempo e recursos para deixar seus ovos protegidos, tentando assim escapar dos sentidos aguçados dos predadores e parasitoides. Em uma análise muito simplista, pode-se dizer que isso ocorre com certa frequência nas ordens componentes do grupo dos Orthopterodea, que inclui, por exemplo, os gafanhotos, as baratas e os louva-a-deus, e do grupo dos Holometabola, que inclui as borboletas e as vespas.
Mamães de muitas espécies de gafanhotos (ordem Orthoptera) protegem seus preciosos ovos os enterrando [9], à semelhança do que ocorre com as já mencionadas tartarugas-marinhas. Mamães baratas (ordem Blattodea) protegem seus ovos em estojos, as ootecas [10], carregados pela fêmea por um bom tempo. Já para a mamãe louva-a-deus (ordem Mantodea), aquela que come a cabeça do macho durante o acasalamento – comportamento que não foi observado em muitas espécies [11] –, a ooteca por ela confeccionada tem formato variado, de acordo com a espécie [12]. Em algumas espécies, há um cuidado parental mais efetivo, com a fêmea permanecendo perto da ooteca, em proteção contra os predadores [13].
Dentre os Holometabola, aqueles insetos com desenvolvimento completo de ciclo de vida, incluindo ovo, larva, pupa e adulto, muitas vezes as formas imaturas e adultas têm modos de vida diferentes, incluindo a alimentação. Esse é o caso das borboletas e mariposas, cujos hábitos alimentares são bastante diferenciados em relação às larvas, conhecidas como lagartas. Essas utilizam peças bucais mastigadoras para uma alimentação em folhas de plantas, muitas vezes específicas – ou seja, determinadas lagartas se alimentam apenas em um ou poucos grupos de plantas [14]. Assim, mamães borboletas e mariposas devem ter uma preocupação biológica adicional: depositar os ovos nas proximidades de plantas compatíveis à alimentação das lagartas. Por sua vez, as mamães de algumas espécies de vespas laboriosamente cuidam de prover suas futuras larvas com uma mesa farta de alimentos. Algumas vespas capturam presas, paralisam-nas com a toxina de sua picada e as estocam junto aos ovos [15]. Em outras espécies de vespas, as mamães depositam os ovos diretamente em insetos ou outros artrópodes adequados [16]. Em ambos os casos, as larvas recém-eclodidas encontram alimento graças à ação prévia das respectivas mães.
Mas, para falar de comportamento paternal (ou, falando de uma maneira mais adequada ao tema, maternal) em insetos, é necessário que se dê grande ênfase à ordem Hemiptera. Dentro da subordem Sternorrhyncha, os pulgões (família Aphididae) têm uma interessante relação com as formigas, já bastante conhecida. Os pulgões secretam um exsudado açucarado que é consumido pelas formigas que, em troca lhes dá proteção [17]. As populações de pulgões protegidos pelas formigas, que incluem tanto adultos quanto imaturos, em muitos casos são compostas preponderantemente por fêmeas, que se reproduzem por partenogênese. Assim, abusando da licença poética, pode-se considerar que as mamães pulgões, de certa forma, contratam “seguranças” para as suas crias.
Exemplos de cuidado com a prole não faltam em relação à subordem Auchenorrhyncha, grupo que inclui as cigarrinhas. Segundo a bióloga Luci Boa Nova Coelho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, especialista no grupo, fêmeas da maioria das espécies da família Cicadellidae realizam uma postura endofítica, utilizando seu ovipositor para depositar os ovos dentro das plantas, tentando garantir, assim, que escapem dos predadores e parasitoides. Em algumas espécies de soldadinhos (família Membracidae), as mamães secretam uma cerosidade que encobre os ovos e o local da postura e, após a eclosão, as ninfas permanecem em grupos junto aos adultos. À semelhança do que ocorre com os pulgões, os soldadinhos também podem contar com a proteção das formigas.
Em outra família, Cercopidae, que inclui as cigarrinhas-das-pastagens, as mamães cigarrinhas secretam um conjunto de borbulhas na haste das plantas, que escondem o local de deposição dos ovos – após a eclosão, as ninfas lá permanecem protegidas por algum tempo. Na família Aethalionidae, as ninfas e os adultos das cigarrinhas-das-frutíferas também permanecem agrupados e, graças à exsudação de substância açucarada, atraem abelhas-sem-ferrão e formigas, que protegem a colônia da aproximação de outros insetos [18].
Por fim, na subordem Heteroptera, a dos percevejos, possivelmente estão os exemplos mais ostensivos de cuidados com a prole por parte das mamães do mundo dos insetos. Em muitos grupos de percevejos, as mães permanecem muito tempo protegendo as ninfas, assumindo papel crucial para a sobrevivência dessas [19]. Segundo Macêdo e colegas autores [20], as fêmeas do percevejo-de-renda Gargaphia solani (família Tingidae), quando estão cuidando de suas ninfas, têm três vezes mais chances de serem mortas do que aquelas da mesma espécie ainda sem filhotes. E que as fêmeas do percevejo Antiteuchus sepulcralis (família Pentatomidae) fazem uma única postura, com cerca de 28 ovos. As mamães permanecem o tempo todo sobre esses ovos, defendendo-os do ataque de predadores e parasitoides. Essas fêmeas não se alimentam durante as três semanas em que ficam cuidando dos ovos e das ninfas após a eclosão. Isso reduz a longevidade e fecundidade das mães, mas faz com que a sobrevivência da prole seja muito maior, quando em comparação com espécies aparentadas sem esse cuidado maternal.
Para encerrar, siga a dica desta coluna: em consonância com as maiores autoridades mundiais em saúde pública, enquanto espera a sua vez na fila da vacina contra a Covid-19 (e depois da vacina também!), continue praticando o isolamento físico, fique em casa o máximo possível, não aglomere em hipótese alguma e use máscara PFF2 ou similar sempre que estiver fora de casa. Fazendo isso, eu, você e todos nós poderemos abraçar nossas queridas mamães em 2022. Enquanto isso, lembre-se que, também no mundo dos insetos, mãe é mãe, só muda a estratégia adaptativa.
Referências
[1] https://www.calendarr.com/brasil/dia-das-maes
[2] https://www.youtube.com/watch?v=Mqkigjo0Ytk
[3] https://faunanews.com.br/2020/06/17/o-mosquito-o-besouro-e-a-efemerida-que-vieram-da-africa
[4] https://faunanews.com.br/2021/03/17/as-aguas-de-marco-fechando-o-verao-sao-cheias-de-insetos
[5] Da-Silva, Elidiomar R. 1993. Descrição do imago macho de Caenis cuniana Froehlich, com notas biológicas (Ephemeroptera, Caenidae). Revista Brasileira de Zoologia 10(3): 413-416.
[6] Pereira, Sueli M. & Da-Silva, Elidiomar R. 1991. Descrição de uma nova espécie de Campsurus Eaton, 1868 do Sudeste do Brasil, com notas biológicas (Ephemeroptera: Polymitarcyidae: Campsurinae). Revista Brasileira de Biologia 51(2): 321-326.
[7] https://www.mndragonfly.org/html/life-cycle.html
[8] https://www.youtube.com/watch?v=ZHaFNEOxDUo&list=PLVk9Yf7CmhR0atKoXPcoJd9iZ_dqzolTa&index=18
[9] https://www.fotosquecontamhistorias.com.br/a-postura-de-um-gafanhoto
[10] https://insectcontrol.com.br/blog-das-pragas/baratas/ovos-de-baratas-ootecas-e-mais
[11] https://radios.ebc.com.br/brasil-rural/2019/06/aguardar-audio-saiba-se-e-mito-ou-verdade-que-femea-do-louva-deus-devora-o
[12] https://www.oeco.org.br/analises/26346-a-guarda-do-louva-a-deus-uma-mamae-kung-fu
[13] https://pt.wikipedia.org/wiki/Louva-a-deus#cite_note-20
[14] Bendicho-López et al. 2006. Lepidópteros folívoros em Roupala montana Aubl. (Proteaceae) no Cerrado sensu stricto. Neotropical Entomology 35(2): 182-191.[15] https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/noticia/2018/11/nova-especie-de-vespa-descoberta-transforma-aranhas-em-zumbis.html
[16] https://revistapesquisa.fapesp.br/marionetes-de-oito-patas
[17] https://revistacafeicultura.com.br/?mat=63905
[18] https://www.entomologybeginners.org/index.php/eb/article/view/v2.e004/3
[19] Cunha, Dayana A.S. et al. 2014. Importância do Cuidado Parental sobre a Expectativa de Vida de Pachycoris torridus Scopoli, 1772 (Hemiptera: Scutelleridae). Ensaios e Ciência: Ciências Biológicas, Agrárias e da Saúde 18(4): 179-183.
[20] Macêdo, Margarete V. et al. 2016. Pais zelosos – Como muitos insetos protegem sua prole. Ciência Hoje 57(342): 18-23.
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