Por Vitor Calandrini
Primeiro-tenente da PM Ambiental de São Paulo, onde atua como chefe do Setor de Monitoramento do Comando de Policiamento Ambiental. É mestrando no Programa de Pós-Graduação em Sustentabilidade na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP
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Sei que, por diversas vezes, já conversamos sobre esse tema e como ele é, ao mesmo tempo, antigo e atual. Passam os anos e as pessoas continuam retirando animais silvestres da natureza ou os cruzando em casa para obter uma fonte de renda, ou ainda simplesmente para repor seu animal de estimação, como no caso de aves em geral. Mas a grande discussão que não podemos esquecer é: quando pessoas comuns se tornam parte do tráfico?
Como bem sabemos, não existe na nossa legislação o tipo penal “tráfico de animais”, mas para seu reconhecimento utilizamos basicamente o artigo 29 da Lei nº 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais) e seus incisos, em especial os verbos: vender, expor à venda, exportar ou adquirir, guardar, ter em cativeiro ou depósito, utilizar ou transportar animais silvestres de forma geral, e tudo isso sem especificar condições ou quantidade de animais para a efetiva comprovação da atividade ilícita.
Dessa forma, temos um grande vácuo interpretativo para supor o que é o tráfico e o que não é. Por exemplo: uma pessoa com 20 canários em uma bolsa pequena no porta-malas do carro é tráfico, mas se essa mesma pessoa for surpreendida em sua residência, com esses mesmos animais em gaiolas individuais no quintal, não o é? Nessa situação, ele passaria a ser um criador de animais como se fossem de estimação? Parece-me que nessa comparação, em um dos casos, a pessoa também estaria cometendo o crime de maus-tratos a animais, além da manutenção irregular de animais existente na conduta do tráfico.
E, nesse sentido, vemos sempre questionamentos sobre o porquê de apreender animais de pessoas que os mantêm eu suas residências ao invés de prender o “traficante”. Esse questionamento é motivado exatamente por haver uma barreira clara entre bons e maus traficantes. As pessoas que cometem o ato de retirar o animal da natureza são as malvadas e as que já os estão criando de forma irregular são as amantes dos animais e que deveriam permanecer na posse deles quando ocorrem ações de fiscalização.
Talvez, um dos maiores problemas que enfrentamos no combate ao tráfico de animais seja criar subcategorias de traficantes, em que uns têm maior impacto do que os outros e o mercado consumidor não é malvisto socialmente. Isso acaba retroalimentando a atividade ilícita e faz que não tenhamos soluções a curto prazo.
Vejo como essencial quebrarmos esse paradigma de que pessoas criando animais silvestres como bichos de estimação (como as que mantém um papagaio) são menos perigosas à biodiversidade do que aquelas que entram nas matas para realizar capturas. A sociedade deve entender que enquanto não houver um maior grau de reprovação a essa conduta individual, o senso coletivo não será alterado.
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