Por Adriana Prestes
Bióloga, responsável técnica por áreas de soltura e monitoramento de fauna silvestre na Serra da Mantiqueira e Vale do Paraíba (SP) e secretária executiva do Grupo de Estudo de Fauna Silvestre do Vale do Paraíba, Litoral Norte e Serra da Mantiqueira
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Ué? Esta coluna não é dedicada a contar histórias de animais que tiveram uma segunda chance por meio de processos de reabilitação e soltura? Veja bem amigo leitor, não estamos no “velho oeste” americano, sem leis e sem ordem. Como apontei no artigo anterior, soltura tem boas práticas e é regida por legislação.
O artigo de hoje é sobre a recente publicação da Resolução da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (SIMA) do Estado de São Paulo de número 5, publicada em 18 de janeiro de 2021, que “dispõe sobre as condutas infracionais ao meio ambiente e suas respectivas sanções administrativas e dá providências correlatas”.
Essa Resolução tem a função de regulamentar leis e decretos, tanto federais como estaduais, que tratam da questão das condutas infracionais ambientais.
Mais do mesmo?
Essa, a nº.5, possui um texto extenso com 112 artigos (vários incisos e parágrafos) e tem alguns aspectos interessantes, tais como especificar a questão de maus tratos a animais e, em especial, os silvestres com uma riqueza de detalhes louvável. Tem também artigos que tratam da guarda de animais (artigo 25) e soltura (artigo 26). O artigo 30 veda o uso de animais para desenvolvimento e teste de produtos cosméticos, o que é muito legal, porque ainda se usa (embora não se admita publicamente) o famoso teste na córnea de animais vivos – uma prática dura de engolir, sobretudo para quem está apenas comprando um sabonete ou xampu. Apesar de tudo isso, a Resolução ainda permite no seu artigo 101 a “guarda doméstica provisória”, ou seja, aquele papagaio ilegal escravizado, que sempre cito aqui, continuará com o seu algoz após o flagrante… E assim caminha a humanidade, com passos de formiga e sem vontade.
Mas como ficam os animais? Afinal, esta coluna é sobre eles e não sobre Direito Ambiental.
Existe um filósofo português, o Antônio Nóvoa, e já peço desculpas ao leitor, não é que me afasto do tema, mas esse filósofo escreveu um artigo lá em 1999 apontando um fenômeno dos nossos tempos: o excesso dos discursos e a pobreza das práticas!
No caso do artigo citado, Nóvoa fala de educação, mas bem poderia ser sobre o meio ambiente e a conservação da biodiversidade. No texto, ele é taxativo ao analisar a vida contemporânea e aponta que nossos discursos (sejam textos legais, técnicos ou científicos) são excessivos e carregados de retórica, o que pode ser definido com a “arte de convencer”. Nosso país cria tantas leis, decretos, resoluções e normas, que duvido possam ser acompanhadas em tempo real de suas publicações. Isso cria o famoso efeito do “especialista”, que pode de fato “ser o cara”, mas que na maioria das vezes é aquele que sabe um “pouco de tudo”, ou seja, na prática, não sabe nada de nada.
O filósofo continua afirmando que esse excesso quase sempre encobre uma cruel verdade: a terrível pobreza nas práticas!
Façamos agora um pequeno experimento mental e pensemos sobre como o estado de São Paulo vem “cuidando” do seu (mas que é, na verdade, nosso) meio ambiente. Vá para sua janela e olhe a volta. O que você vê de verdade? Exemplos de ótimas práticas de conservação ambiental da Mata Atlântica? Ou será o contrário?
E como tratamos nossa biodiversidade? Com respeito e com verbas para a realização de projetos de conservação (por que sim, sem recursos não existe conservação ambiental) ou será o contrário? Quantos projetos de conservação de biodiversidade você conhece de fato e não pela internet ou pela TV?
Entendendo que leis são necessários elementos do regramento democrático e que temos o direito constitucional a um meio ambiente equilibrado, ou seja, com animais silvestres nele. Sempre temos a esperança de que haja mudanças significativas no jogo da preservação, seja pela publicação de “novos” regramentos ou outras providências legais, como a abertura de editais públicos para financiamento de ações de conservação de biodiversidade. No entanto, não é possível deixar de notar que a regulamentação ao chegar várias décadas depois, como é o caso da Resolução nº 5/2021, que alude a legislações publicadas em 1997 (caso exato da que institui a Política Estadual de Meio Ambiente de São Paulo), contribui ativamente para a situação que vivemos hoje: a de extensa degradação ambiental.
O estado de São Paulo apresenta déficit de áreas florestais com a contínua perda de áreas de floresta clímax, que vem sendo substituídas por florestas em estágios iniciais de regeneração ou replantadas. As regiões das serras da Mantiqueira e do Mar contêm os últimos fragmentos de florestas clímax no Estado. Quem quiser saber mais veja o excelente trabalho publicado na Science Advances agora em janeiro de 2021. Ou seja, os inúmeros corpos de legislação não parecem ter sido capazes de deter a degradação ambiental.
Voltando à questão proposta pelo filósofo, aquela do excesso nos discursos e da pobreza nas práticas, não posso deixar de apontar que leis só têm efeito quando acompanhadas de estrutura adequada de fiscalização e de incentivo ao desenvolvimento de “boas práticas” na conservação ambiental, implantadas sejam por financiamento público ou privado.
Enfim, cenário complexo não é mesmo? Mas como costuma se dizer, o importante é não desanimar e adotar uma postura proativa. Sempre! O futuro está longe e o que temos é o agora. E você, amigo leitor, o que vai fazer hoje pela conservação da biodiversidade?
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