Biólogo, mestre em Ecologia e agente de fiscalização ambiental federal
nalinhadefrente@faunanews.com.br
Uma notícia regozijou criadores e amantes de animais em cativeiro. Embora indevidamente e sem atribuição legal, alguns órgãos estaduais de meio ambiente têm autorizado a criação de animais de espécies exóticas (não nativas do Brasil). Dessa forma, surgiram criadouros autorizados de pítons, pogonas (lagartos conhecidos também como dragões-barbudos), corn snakes, porco-espinho-pigmeu, dentre outras espécies exóticas cuja comercialização é proibida no Brasil.
Embora os criadouros possuam autorização do órgão estadual de meio ambiente, legalmente essa autorização é inválida por incompetência desses órgãos em emiti-las. Por analogia, é como se o Detran resolvesse autorizar aeronaves, cuja competência é da Anac Cada instituição possui suas atribuições definidas em lei e o poder público só pode porque deve. O administrador só pode fazer o que a lei autoriza ou determina – critério de subordinação à lei.
Quem regulamenta as questões relativas às espécies exóticas é a União e não os Estados. Assim, não cabe aos órgãos estaduais de meio ambiente autorizar ou não criadouros de espécies não nativas. A Lei Complementar nº 140/2011, em seu inciso XIX do artigo 8º, determina competência aos Estados para aprovar o funcionamento de criadouros da fauna silvestre.
“Artigo 8º – São ações administrativas dos Estados:
(…) XIX – aprovar o funcionamento de criadouros da fauna silvestre”.
Lendo esse inciso, até se compreenderia o equívoco que resultou na ampliação indevida de competência e consequente autorização de criadouros de espécies exóticas por órgãos estaduais. Afinal, do ponto de vista biológico, a espécie exótica é espécie silvestre exótica assim como a nativa é espécie silvestre nativa. Todavia, tanto a Lei nº 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais) quanto a Lei Complementar nº 140/2011 tratam espécie silvestre nativa apenas pelo termo “silvestre” e tratam espécie silvestre exótica apenas como “exótica”. Portanto, em uma leitura correta do que diz a lei, cabe aos Estados autorizarem criadouros de espécies silvestres nativas. Não se inclui aí as espécies silvestres exóticas ou, simplesmente, exóticas.
Essa correta leitura, óbvio, não atende aos interesses dos criadores e, também, dos aficionados por animais em cativeiro que, já em 2003, pressionaram o Ibama para que liberasse a criação de pítons no Brasil. À época, a resposta foi negativa ao que os interessados citavam como sendo intenso o comércio desses animais nos Estados Unidos da América, apontado como um exemplo de sucesso a ser seguido. Hoje, os everglades sofrem com a bioinvasão de pítons enquanto o Brasil não. Isso mostra de quem foi a decisão acertada.
Ainda segundo a mesma Lei Complementar, compete à União o controle das espécies exóticas.
“Artigo 7º – São ações administrativas da União:
(…) XVII – controlar a introdução no País de espécies exóticas potencialmente invasoras que possam ameaçar os ecossistemas, habitat e espécies nativas”.
Ainda neste diapasão, já em 1998 o Ibama editava uma norma (portaria nº 93) na qual proibia, exceto para zoológicos, o ingresso em território nacional de algumas espécies, dentre elas de répteis, de invertebrados, de anfíbios (exceto rã-touro), da espécie Sicalis flaveola (canário-da-terra), além de diversas ordens de mamíferos. A proibição atinge a importação, a criação comercial, a manutenção em cativeiro como animais de estimação ou ornamentação, além do uso para exibição.
Observe-se que antes da Lei Complementar nº 140/2011, competia ao Ibama a autorização de criadouros e a portaria nº 93/1998 já deixava claro a proibição. Após a Lei Complementar, o Ibama permanece responsável pelas espécies de exóticos. Assim, não compete aos órgãos estaduais de meio ambiente autorizarem criadouros de espécies exóticas e, ao fazê-lo, eles extrapolam suas atribuições e colocam em risco a biodiversidade nacional. Mas, felizmente, cabe à administração pública rever seus atos a qualquer momento.
O texto reflete posição pessoal e não, necessariamente, institucional.
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