Bióloga pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde é mestranda junto ao Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF)
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A construção da maior passagem de fauna do mundo deve ser iniciada este ano e tem previsão de conclusão para 2023. O viaduto vegetado será implantado em uma das áreas mais urbanizadas dos Estados Unidos, em Los Angeles, cidade com 4 milhões de pessoas. As dimensões da estrutura se ressaltam quando imaginamos que ela vai passar por uma rodovia com 10 pistas e com um fluxo de 300 mil carros por dia. Além disso, terá cobertura de vegetação nativa e uma largura de 50 metros. Estima-se que a obra vai custar 87 milhões de dólares, dinheiro que virá 80% de doações privadas e 20% de investimento público. O maior desafio, além das proporções da obra, está justamente na sua localização, em meio a uma área tão antropizada. O viaduto foi projetado para tentar diminuir as poluições sonora e luminosa que vêm da rodovia e que poderiam dificultar a travessia dos animais.
A localização dessa passagem vem sendo estudada há pelo menos 20 anos, mas o grande impulsionador da sua construção foi um estudo realizado com duas populações de puma (Puma concolor) da região e publicado em 2019. Nesse estudo, os pesquisadores discutem sobre as principais ameaças à persistência dessa espécie na área, o que inclui a mortalidade direta por atropelamento em rodovias, o isolamento das populações causado pela fragmentação de seu habitat, as queimadas que têm se intensificado na região e os surtos de doenças ou envenenamentos, que podem levar muitos indivíduos a óbito. Dentre esses fatores, ganha destaque a rápida perda de diversidade genética associada ao isolamento dessas populações de outras que vivem em áreas ao redor. Foi predita uma probabilidade de extinção local da espécie entre 16-21% nos próximos 50 anos, caso o grau de isolamento continue o mesmo ou diminua.
Outro fator que aumenta a probabilidade de extinção é o tamanho reduzido das populações. Nesse caso, o crescimento populacional dos pumas está claramente limitado pela quantidade de habitat disponível, mas a alta mortalidade causada por humanos se mostrou negativa para a persistência de uma das populações. A maior causa de morte de pumas que são monitorados por rádios-colares na região é a colisão com veículos nas rodovias.
Apesar das previsões não muito animadoras, os pesquisadores também viram que não era necessário um grande aumento de fluxo de indivíduos entre as populações para que a diversidade genética aumentasse e, consequentemente, a probabilidade de extinção diminuísse. Foi sugerido que a conservação dessas populações é factível, mesmo em áreas tão urbanizadas quanto essa, desde que tomadas medidas mitigadoras focadas nas duas principais ameaças: isolamento e mortalidade. Para tal, a melhor medida a longo prazo seria a instalação de viadutos vegetados sobre a rodovia e que fosse aumentada a conectividade entre populações.
O maior viaduto vegetado e em área urbana do mundo está a caminho e foi impulsionado por evidências científicas do isolamento de populações e da mortalidade de fauna causada pela alta densidade de rodovias. Embora uma espécie tenha sido a grande bandeira para que isso acontecesse, ela pode ser uma indicadora de outras, que também estejam sofrendo com as mesmas ameaças e que vão poder também se beneficiar do corredor verde. Apesar de sabermos que a construção de passagens não dá conta de mitigar todos os impactos de uma rodovia e que não é a solução definitiva para o problema, junto com o advento dessas estruturas e do monitoramento da efetividade delas a longo prazo virão muitos aprendizados de como elas podem realmente ajudar a minimizar os impactos das rodovias sobre a fauna. Estruturas como essa também existem aqui no Brasil, em menores quantidades e proporções, mas em igual expectativa de que possam colaborar para a persistência de populações das nossas espécies.
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