Por Kamila Bandeira
Bióloga com mestrado e doutorado em Zoologia pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É pesquisadora do Museu Nacional da UFRJ e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Suas pesquisas estão focadas em Paleontologia de vertebrados
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E enfim chegamos ao final do ano. Época de festas, de alegrias e, claro, de fazer um balanço de tudo que ocorreu de bom no ano. Ainda que 2020 tenha sido atípico para muitos hábitos devido a Covid-19, ao menos no campo da Paleontologia brasileira, tivemos importantes novidades, especialmente no campo de Paleontologia de vertebrados. Tivemos desde novas espécies, como estudos reavaliando importantes aspectos anatômicos quanto também estudos histológicos e tomográficos para vários grupos de vertebrados fósseis.
Como estudo dinossauros, darei ênfase a eles no artigo de hoje. Temos novas espécies, como o Erythrovenator jacuiensis, o Spectrovenator ragei e o Aratasaurus museunacionali. Todas as três pertencem ao grupo chamado Theropoda, conhecidos popularmente como terópodes. Esses animais eram ancestralmente carnívoros, mas dentro de Theropoda existem várias linhagens que evoluíram para diferentes hábitos alimentares (alguns eram até herbívoros!).
O Erythrovenator, cujo nome significa “caçador vermelho”, possui esse nome em alusão à cor vermelha do material. Interessantemente, o Erythrovenator representa um dos mais antigos terópodes do mundo, encontrado em uma localidade da Formação Candelária, no Rio Grande do Sul. O Spectrovenator é um dos mais antigos da sua linhagem (um grupo chamado Abelisauridae). O nome do Spectrovenator já faz alusão a um “fantasma”, já que os fósseis desta espécie foram encontrados inesperadamente debaixo dos ossos de um outro dinossauro, o Tapuiasaurus, num sítio fossilífero próximo a cidade de Coração de Jesus, em Minas Gerais. Já o Aratasaurus é terópode do grupo dos celurossauros – o mesmo que inclui espécies como o T-rex. O Aratasaurus foi enontrado em depósitos da Formação Romualdo, no Ceará. Esta espécie tem seu nome composto das palavras tupi “ara” e “atá”, que significam respectivamente “nascido” e “fogo” e do grego “-saurus”, um sufixo geralmente usado para dinossauros. O nome faz referência ao Museu Nacional, instituição científica que foi devastada por um incêndio em 2018.
Outros estudos que se destacaram foram os que reavaliaram o endocrânio (ou seja, a parte interior da cabeça, onde ficam o cérebro, cerebelo e alguns outros órgãos menores) de alguns dinossauros brasileiros, como o do Irritator challengeri, também um terópode, e do Buriolestes schultzi, um Sauropomorpha (grupo que incluem os saurópodes e outras formas associadas). Esses estudos sobre a anatomia endocraniana trouxeram muitas respostas interessantes sobre os hábitos desses animais. O Buriolestes apresentava a região do trato olfatório mais alongado e, combinando com outras estruturas mais específicas do endocrânio, conjuntamente com dados dentários e de outras partes do esqueleto, esses dados sugerem que ele era um pequeno predador ativo, capaz de rastrear presas em movimento. É algo inesperado se comparado com os descendentes que viriam milhões de anos depois, os saurópodes, que eram exclusivamente herbívoros.
Já o Irritator é um terópode do grupo dos espinossaurídeos (mesmo grupo do Spinosaurus dos filmes) e as análises do endocrânio desse animal indicam que ele tinha a capacidade de movimentos rápidos e bem controlados, mesmo com a cabeça inclinada fortemente para baixo. Essas características reforçam os possíveis hábitos piscívoros (ou seja, alimentação exclusiva ou quase exclusiva de peixes).
Por último, uma das descobertas mais chocantes foi a percepção de parasitas sanguíneos preservados num dinossauro brasileiro. Ainda que de espécie desconhecida, os ossos contaminados eram de um titanossauro que viveu há 85 milhões de anos no interior do estado de São Paulo. O mais interessante é que esse animal teve um caso agressivo de osteomielite, uma doença inflamatória dos ossos, em sua perna, mas não só isso. Esse pobre dinossauro estava infectado com dezenas de parasitas fósseis preservados dentro de seus canais vasculares, sendo este o primeiro achado mundial de um parasita preservado dentro de tecido ósseo fossilizado. Esta infecção por parasitas provavelmente permitiu que uma inflamação óssea tivesse surgido e se agravasse.
Finalizando, o ano de 2020 trouxe grandes novidades sobre a Paleontologia brasileira. Esperamos que 2021 tenha muito mais descobertas fantásticas por vir e que você tenha um excelente final de ano.
Referências
– Rodrigo T. Müller (2020) A new theropod dinosaur from a peculiar Late Triassic assemblage of southern Brazil. Journal of South American Earth Sciences 103026.
– Hussam Zaher, Diego Pol, Bruno Albert Navarro, Rafael Delcourt & Alberto Barbosa Carvalho (2020) An Early Cretaceous theropod dinosaur from Brazil sheds light on the cranial evolution of the Abelisauridae. Comptes Rendus Palevol 19(6): 101-115.
– Juliana Manso Sayão, Antônio Álamo Feitosa Saraiva, Arthur Souza Brum, Renan Alfredo Machado Bantim, Rafael Cesar Lima Pedroso de Andrade, Xin Cheng, Flaviana Jorge de Lima, Helder de Paula Silva & Alexander W. A. Kellner (2020) The first theropod dinosaur (Coelurosauria, Theropoda) from the base of the Romualdo Formation (Albian), Araripe Basin, Northeast Brazil. Scientific Reports 10, Article number: 10892
– Rodrigo T. Müller, José D. Ferreira, Flávio A. Pretto, Mario Bronzati & Leonardo Kerber (2020) The endocranial anatomy of Buriolestes schultzi (Dinosauria: Saurischia) and the early evolution of brain tissues in sauropodomorph dinosaurs. Journal of Anatomy.
– Marco Schade, Oliver W. M. Rauhut & Serjoscha W. Evers (2020) Neuroanatomy of the spinosaurid Irritator challengeri (Dinosauria: Theropoda) indicates potential adaptations for piscivory. Scientific Reports 10, Article number: 9259
– Tito Aureliano, Carolina S.I. Nascimento, Marcelo A. Fernandes, FresiaRicardi-Branco & Aline M.Ghilardi (2020). Blood parasites and acute osteomyelitis in a NON-AVIAN dinosaur (Sauropoda, Titanosauria) from the Upper Cretaceous Adamantina Formation, Bauru Basin, southeast Brazil. Cretaceous Research 104672.
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