Por Barbara Zucatti
Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestranda no Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da mesma instituição (NERF-UFRGS)
transportes@faunanews.com.br
Compreender o efeito da poluição sonora nas espécies que utilizam o som para desempenhar suas atividades é muito importante na manutenção dos ecossistemas. O canto nupcial para encontrar e atrair parceiros, as vocalizações para demarcação de território e o uso do som para localizar a presa são exemplos dessas atividades desempenhadas por boa parte dos animais.
Sabemos que uma das consequências das rodovias para a fauna é o ruído pelo tráfego. Os altos níveis de ruído que percorrem uma vasta área podem funcionar como barreira para muitos animais, alterar comportamentos de diversas espécies e acarretar mudanças numa ótica mais ampla, como mudar a dinâmica e o equilíbrio dos ecossistemas. Já sabemos o quão prejudicial são os ruídos das rodovias para a avifauna e para os anfíbios, ambos grupos que se comunicam através do canto tanto para reprodução quanto para defender território e avisar sobre perigo.
No entanto, animais que utilizam as ondas sonoras para localizar as presas, os predadores acústicos, também são afetados pelos ruídos do tráfego rodoviário. Morcegos e corujas são exemplos desse grupo porque ambos são capazes de perceber os barulhos da movimentação de suas presas, e assim, conseguem localizá-las.
Um estudo mostrou que a probabilidade de a coruja-pequena (Asio otus) ocupar um ambiente com ruído proveniente do tráfego rodoviário é menor na medida em que a intensidade do ruído aumenta. Para compensar os efeitos da poluição sonora, essa espécie pode acabar evitando áreas com rodovias ou pode aumentar a sua área de ocupação. Ambas as situações parecem ser benéficas para esses animais, no entanto, as consequências não são boas. A desocupação de uma área em função do ruído configura perda de habitat, da mesma forma que ampliar a área de ocupação requer uma diminuição na densidade populacional.
Outro estudo que analisou os efeitos da poluição sonora nas atividades de morcegos evidenciou que a busca por alimento reduziu em áreas com ruído. Resultado semelhante ao estudo anterior e que evidencia que a poluição sonora afeta diretamente, e de formas distintas, as espécies que utilizam o som para desempenhar suas atividades.
Ainda que os predadores acústicos sejam adaptados aos ruídos não antropizados (de origem não humana), como o vento, chuva ou água corrente, o barulho do tráfego rodoviário supera os limites de tolerância e de adaptação desse grupo, em função dos altos níveis de ruídos em grandes áreas da paisagem.
A alteração no desempenho ou na percepção desses animais durante a busca por alimento pode alterar a dinâmica e a estabilidade dos ecossistemas em função da diminuição da predação nesses ambientes. Isso porque esses animais são considerados predadores-topo, o que significa que possuem um papel importante na regulação populacional de suas presas. No longo prazo, o aumento das populações dessas presas pode acarretar problemas não só para a estabilidade de um ecossistema, mas também para a saúde humana. Pequenos roedores, principais presas das corujas, por exemplo, são também fontes de algumas doenças.
Valorizar as informações dos estudos de impacto ambiental que listam poluição sonora como sendo um dos impactos do empreendimento pode ser um caminho para desenvolver alternativas de mitigação para esse problema. E, para além disso, tornar essas informações públicas para que não somente pesquisadores e profissionais se envolvam nesse assunto, mas também o público em geral.
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