Bióloga pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde é mestranda junto ao Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF)
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Já pensou no quanto a gente movimenta as estradas sem estar nas estradas? Boa parte dos produtos que consumimos atualmente são trazidos de longe até chegarem aos nossos lares, percorrendo quilômetros e mais quilômetros por diferentes estradas. Sem que a gente perceba ou pare muito para pensar, podemos estar causando impactos no meio ambiente e aumentando as chances de animais serem atropelados.
Se isso é válido para o trânsito de carros e caminhões nas clássicas estradas de asfalto, o que dizer das vias que a gente nem costuma enxergar como estradas? Estima-se que 90% das mercadorias que consumimos são fabricadas em lugares distantes e chegam até nós atravessando oceanos dentro de contêineres, empilhados em navios gigantescos. É disso que fala o documentário “O Custo do Transporte Global”, de 2016, que me inspirou a escrever este artigo.
Um produto que declara ter sido fabricado em determinado país, pode ter – na verdade – múltiplas origens e ter viajado dentro de contêineres não só uma, mas várias vezes. O casaco que vestimos, por exemplo, pode ter a linha fabricada em um país, o botão em outro, os cortes podem ter sido feitos em outro, enquanto a costura final foi feita em um quarto (e é só desse que recebemos a etiqueta de origem). O nosso casaco não só viajou do país de origem ao nosso, mas pode ter feito inúmeras outras viagens no meio de tudo isso, que nem saberemos.
As estradas marinhas, assim como as terrestres, podem causar diversos impactos à vida animal (artigos de 4 de agosto de 2016 e de 14 de março de 2019). Navios, além de colidirem diretamente com a fauna marinha, principalmente com espécies maiores (como baleias, tubarões e tartarugas), são responsáveis por grandes vazamentos de óleo nos oceanos (que podem levar à morte muitos animais), emitem gases poluentes que contribuem pra acidificação dos oceanos (fenômeno conhecido por matar os recifes de corais), aumentam o risco de invasões biológicas (transportando espécies nas águas de lastro) e geram poluição sonora (que reduz a capacidade dos animais de comunicação, localização, caça ou fuga e de encontrar parceiros para reprodução).
Não bastasse essas possibilidades de impactos à fauna, com essa quantidade de contêineres viajando os mares dentro de navios, muitos são perdidos e vão parar no fundo dos nossos oceanos, contribuindo para aumentar a quantidade de lixo no mar. Estima-se que entre mil e 10 mil contêineres sejam perdidos por ano, número que é pouco preciso já que não existem muitas regulamentações a respeito desse transporte marítimo e, em muitos casos, esse tipo de acidente não precisa nem ser reportado. Se o pouco de informação que chega até nós sobre as estradas marinhas parece bastante preocupante, imagina só o tanto que desconhecemos sobre seus impactos para a fauna dos oceanos, basicamente invisível aos nossos olhos.
As obscuridades e a falta de controle do transporte das mercadorias que consumimos e dos impactos que ele pode causar à fauna são mais um alerta da necessidade de repensarmos nossos hábitos de consumo. Se o aumento do tráfego de navios nos oceanos afeta negativamente os animais que vivem nele, indiretamente, poderíamos reduzir esses impactos se consumirmos de forma mais local.
Sabendo que nenhum produto tem impacto zero, é melhor ter um casaco que eu conheço a história, que foi fabricado localmente, do que um casaco que eu desconheço como e quanto viajou até chegar a mim. Com essa e outras mudanças no nosso consumo, podemos diminuir as chances de causar impactos a outros seres vivos deste planeta, independentemente do tipo de estrada usada no transporte.
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