Por Rogério Bertani
Biólogo, mestre e doutor em Zoologia pela Universidade de São Paulo (USP). Especializado em aracnídeos, é pesquisador do Instituto Butantan
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Uma série de animais causam medo às pessoas, que acaba justificado pela atribuição de características nocivas. Porém, poucos desses animais podem realmente causar danos à saúde de seres humanos. Esse medo está geralmente relacionado ao aspecto do animal ou a relatos infundados que são repassados de geração a geração.
Dentre as aranhas, as caranguejeiras estão entre as mais temidas. O grande tamanho e a quantidade de cerdas (“pelos”) que recobrem o corpo de muitas espécies dão o aspecto tão característico e temido. Porém, a esmagadora maioria das espécies é inofensiva. Espécies de aranhas-caranguejeiras que causam envenenamento grave em seres humanos são conhecidas exclusivamente na Austrália.
No Brasil, são chamadas de caranguejeiras as aranhas da infraordem Mygalomorphae, que contém cerca de três mil espécies distribuídas por todos os continentes, com exceção da Antártica. São classificadas em 30 famílias, das quais 13 ocorrem em nosso país. Distinguem-se das demais aranhas pela posição das quelíceras, que são projetados para a frente, ficando bem visíveis quando se olha a aranha de cima. Já as demais aranhas possuem as quelíceras pouco visíveis quando vistas de cima.
Os movimentos dos ferrões também são diferentes. As caranguejeiras têm ferrões paralelos ao eixo do corpo e o movimento dos ferrões é de cima para baixo, enquanto nas demais aranhas o movimento é lateral, de fora para dentro, como uma pinça.
O tamanho varia bastante. Existem espécies que atingem somente dois milímetros quando adultas, até a maior espécie de aranha conhecida, a Theraphosa blondi, que pode chegar a 26 centímetros de comprimento. A maioria ocupa espaços debaixo de rochas e troncos caídos ou escavam túneis no solo. Das que escavam o solo, muitas produzem uma porta feita de fios de seda e terra que utilizam para fechar a entrada. Essas aranhas são chamadas popularmente de aranhas-de-alçapão. Outras ainda constroem teias extensas em forma de lençol e que levam a um refúgio na terra. Existem algumas que vivem em árvores e as bem pequenas que vivem nos espaços entre as folhas na serapilheira (camada de folhas no chão).
As caranguejeiras mais conhecidas do público em todo o mundo são da família Theraphosidae, que contém cerca de mil espécies. É nessa família que estão concentradas as maiores espécies de aranhas conhecidas e as que tem o aspecto mais assustador por terem o corpo coberto por cerdas bem longas. O Brasil possui a maior fauna dessas aranhas, com cerca de 200 espécies conhecidas e que ocorrem em todos os biomas.
No exterior, as aranhas-caranguejeiras são chamadas popularmente de tarântulas, nome que está cada vez mais sendo utilizado no Brasil (para uma discussão sobre a origem e uso original do nome tarântula, leia o artigo de setembro).
Apesar do tamanho grande e de possuírem veneno, as espécies brasileiras não provocam acidentes graves em seres humanos. Porém, as picadas podem provocar ferimentos superficiais devido ao grande tamanho dos ferrões de algumas espécies. Além disso, a maioria das espécies possui cerdas no dorso do abdome que são utilizadas como defesa. Quando são ameaçadas, raspam o dorso do abdome com as pernas traseiras e liberam uma nuvem de cerdas que entra na pele e provoca coceira, podendo causar reações mais serias em pessoas alérgicas. Problemas oftalmológicos causados pelo contato dessas cerdas com os olhos têm sido relatados na literatura médica.
O veneno e a hemolinfa (sangue) das aranhas-caranguejeiras têm sido estudados em busca de moléculas que possam ser utilizadas na medicina. Algumas dessas moléculas têm atividade contra microrganismos como fungos, bactérias, protozoários e vírus, matando-os ou impedindo a sua reprodução. Já foram encontradas moléculas derivadas do veneno de uma caranguejeira chilena que regularizam o batimento cardíaco em casos de arritmia cardíaca; e, em outras espécies, algumas moléculas que têm ação contra alguns tipos de tumores.
Embora sejam assustadoras para muita gente, as caranguejeiras são bastante procuradas por pessoas que gostam de criar animais exóticos, pois algumas espécies são relativamente dóceis e muitas são coloridas. Acabam sendo capturadas e traficadas principalmente para países da Europa e para os Estados Unidos. Mesmo no Brasil, existem muitos criadores que criam espécies nativas ou importam ilegalmente espécies exóticas, fomentando o comércio internacional de animais exóticos (não nativos).
A retirada de espécimes para o tráfico pode afetar as populações nativas de algumas espécies, muitas delas endêmicas, ou seja, que ocorrem somente em áreas muito restritas. Além disso, são animais que crescem muito lentamente, com algumas espécies podendo levar mais de 10 anos para atingir a maturidade sexual. Portanto, os indivíduos retirados para o tráfico demorarão muito tempo para serem repostos na natureza.
A retirada de espécimes da natureza pelo tráfico, junto com a degradação ambiental, desmatamento e a perseguição que sofrem por serem consideradas perigosas, pode colocar várias espécies em risco de extinção. Com isso, pode-se perder não somente algumas das maiores espécies de predadores terrestres entre os invertebrados, que possuem grande importância para a manutenção do equilíbrio ecológico, mas também animais que produzem moléculas promissoras que podem ser usadas na medicina e talvez auxiliem na cura de várias doenças.
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