Por Daniel Nogueira
Biólogo, especialista em Ecoturismo e analista ambiental do Ibama. É o responsável pelo Centro de Triagem de Animais Silvestre (Cetas) do Ibama localizado em Lorena
universocetras@faunanews.com.br
“Servimo-nos por meio desta para questionar se o animal recebido por este Cetras está ameaçado de extinção…”
O fragmento acima é de texto comumente recebido por nós no Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) do Ibama, em Lorena (SP), em geral por comunicações formais encaminhadas pelo Ministério Público ou pelo Judiciário no tratamento processual de crime ambiental com envolvimento de um animal silvestre estivesse envolvido.
É muito comum recebermos, nos centros de triagem e de reabilitação de animais silvestres (Cetras), questionamentos sobre o status de conservação dos animais por nós recebidos. Nesse caso, o que se pergunta é se um animal é ou não ameaçado de extinção.
Os Cetras operam como ferramentas de proteção à biodiversidade. Também operam como instâncias de proteção à vida dos animais silvestres recebidos. As duas funções básicas são complementares, uma enfocando o bem maior, muitas vezes com o foco deslocado do espécime em si, já que considera o animal como um fator que interfere no todo que se quer proteger, que é a biodiversidade ou o equilíbrio ecológico. Outro foco, direcionado ao indivíduo, a sua vida ou seu bem-estar.
Mas as duas funções não são necessariamente (ou nem sempre) paralelas ou convergentes. O pensar no coletivo, quando se trata de fauna silvestre ou quando se pensa no equilíbrio ambiental, pode desfocar a visão do indivíduo. Não que o indivíduo não seja importante. Sempre será… Contudo, quando se recebe, trata e destina um determinado animal no Cetras, sempre se observa e se considera o valor, no todo, que ele pode cumprir. Na prática, se verifica o quanto raro é esse animal em ambiente natural ou se o animal é ameaçado de extinção ou não.
Por outro lado, é inegável nosso compromisso com o bem-estar e a destinação daquele indivíduo, daquele animal por si só, dentro dos limites impostos pela sua individualidade, dentro do seu medo, da sua dor e da sua vontade de continuar vivendo.
Mas, de alguma forma, todo animal recebido no Cetras é ameaçado.
Quando se complementa a expressão com o termo: “extinção”, se foca no coletivo e perpassa o conceito para um todo, no que se questiona o quanto esse animal é importante para um todo, para o coletivo. Também se estabelece uma forma de se quantificar o seu valor para o todo, para o equilíbrio ecológico. Nenhuma crítica a esse sistema de valores impostos. Aliás, o crime ambiental é agravado quando realizado contra animais ameaçados de extinção.
Mas devemos insistir na máxima: todo animal recebido em um Cetras é ameaçado, independentemente do valor ambiental que se atribui a ele. Neste ponto, um coleirinho comum (Sporophila sp), de espécie tão facilmente encontrada em nossos campos, é tão importante como uma ararinha-azul (Cyanopsitta spixii).
Todo animal sob nossa responsabilidade tem seu valor por si só e pelo conjunto, aquele valor que se basta pelo ser vivo e aquele valor que extrapola a sua vida ou existência. O que se pretende é que um coleirinho seja tão ordinário (que por definição do dicionário é aquele que se repete regularmente, ou se faz presente a todo instante) que uma ararinha-azul.
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