
Por Adriana Prestes
Bióloga, responsável técnica por áreas de soltura e monitoramento de fauna silvestre na Serra da Mantiqueira e Vale do Paraíba (SP) e secretária executiva do Grupo de Estudo de Fauna Silvestre do Vale do Paraíba, Litoral Norte e Serra da Mantiqueira
segundachance@faunanews.com.br
Amigo leitor, enquanto escrevo, o cenário das queimadas continua o mesmo, inclusive com novas ocorrendo em locais que já viraram cinzas. Que proeza! E ainda assim continuam circulando notícias de pessoas ativamente incendiando tudo o que podem, mas principalmente áreas públicas. Mas tudo isso tem uma razão muito clara: tem gente ganhando muito, mas muito, dinheiro, por que como somos um país exportador de commodities, aparentemente estamos condenados a sê-lo até que não haja mais nada e todos os recursos naturais tenham sido esgotados até a última gota! Metáfora bem apropriada nestes tempos de queimadas e de secas auto-infligidas.
Mas afinal, qual a relação de tudo isso com os gambás?
Os marsupiais do gênero Didelphis, também conhecidos como saruês, prestam importantes serviços ambientais e são bastante populares na internet, com milhares de artigos, inclusive separei dois textos, um da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo e um da Prefeitura de São Paulo, do tempo em que esses órgãos ainda aparentavam estarem preocupados com o Meio Ambiente. O artigo da Prefeitura, inclusive, indica a necessidade de desinfecção do local por onde passou um gambá – e olha que o artigo é de 2006, ou seja, de antes da pandemia!
Mas se eles, os gambás, são populares na internet, será que ainda estão populares no meio ambiente?
Com o passar do tempo, em minhas atividades de soltura, tenho recebido gambás cada vez menores e em condições cada vez piores.

Anteontem, 3 de outubro, no final da tarde, recebemos um gambá filhote de um resgate feito pelos bombeiros. Não foi o que poderia ser esperado, como alguma fêmea atropelada coberta por filhotes, mas um animal de 100 gramas, portanto um jovem que já abandonou a mãe. O animal, que chegou escoltado por três bombeiros em grande estilo, estava absolutamente assuntado, desidratado e faminto. E aí é preciso fazer uma reflexão: qual a capacidade de suporte de nosso ambiente, já que um animal de 100 gramas não só não estava conseguindo se alimentar como também ficou “tão em destaque” que precisou ser resgatado.
E aí vem a segunda reflexão: será que todos os empreendimentos que lidam com fauna silvestre têm uma boa relação com esses animais? Será que, de fato, empregam-se esforços para salvar um gambá do mesmo jeito que teria sido feito para um animal de espécie mais carismática do que restou na nossa fauna silvestre?
Não é incomum pessoas ligadas ao setor de fauna recusarem receber gambás ou não querem realizar a soltura desses animais alegando que eles irão parar no forro de suas residências. A pergunta que não quer calar é por que isso acontece? Será que é por que temos cada vez menos florestas e as que sobraram não permitem mais a vida silvestre?
E, por fim, a última reflexão: se vivemos em uma sociedade complexa dominada pelo poder de certos nichos sociais, em que mesmo entre os que trabalham com fauna ainda há preconceito e discriminação contra certos tipos de animais, qual será o destino dessa espécie em um horizonte de 30 anos?
As pessoas têm seus interesses, mas a esfera de tempo do ser humano é bem inferior a esfera do tempo evolutivo. Os gambás existem a mais de 150 milhões de anos e são criaturas desenhadas para sobreviver. De fato, já passaram pela última extinção em massa que ocorreu em nosso planeta há mais de 60 milhões de anos.
Termino o artigo pensando e torcendo para que essas criaturas continuem existindo mesmo depois que tenhamos completado nossa obra maior, como espécie, que é a contribuição ativa e contínua para a sexta e maior extinção global de espécies – a que estamos vivendo agora.
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