Por Vera Maria Ferreira da Silva
Bióloga, mestre em Biologia de Água Doce e Pesca Interior e doutora em Mammalian Ecology and Reproduction pela Universidade de Cambridge (Inglaterra). É pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e coordena o Projeto Boto na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e o Projeto Mamíferos Aquáticos da Amazônia, da Associação dos Amigos do Peixe-boi (Ampa)
aquaticos@faunanews.com.br
Em artigos anteriores, abordei as ameaças que considero como as principais e que afetam diretamente o boto-vermelho (Inia spp.) – a captura direta para uso como isca na pesca da piracatinga e o barramento de rios para fins hidroelétricos e de irrigação – e comentei brevemente sobre as demais espécies de mamíferos aquáticos como o tucuxi (Sotalia fluviatilis), o peixe-boi (Trichechus inunguis), a ariranha (Pteronura brasiliensis) e a lontrinha (Lontra longicaudis).
Praticamente todas as ações do homem (ações antropogênicas) sobre o ambiente afetam a flora e a fauna do planeta, influenciam as mudanças climáticas e acabam também alterando de forma dramática a nossa qualidade de vida. A floresta Amazônica é a última e ainda a maior porção de floresta tropical húmida do planeta, com uma área estimada em mais de 5,5 milhões de km² abrangendo nove países – Brasil, Peru, Venezuela, Colômbia, Bolívia, Guiana, Suriname, Equador e Guiana Francesa. Esse amplo território vem sendo paulatinamente reduzido e a sua paisagem drasticamente modificada pelo homem.
Recentemente, ao postar uma reportagem sobre os focos de queimadas que estão ocorrendo há algumas semanas na Amazônia e no Pantanal fiquei estarrecida com vários comentários, inclusive de familiares, revelando a falta de conhecimento de grande porção de brasileiros sobre essas duas importantes regiões, suas características, área de abrangência, limites geográficos, diversidade de ambientes e, principalmente, sobre a importância dessas áreas na manutenção do clima e do sistema de chuvas no Brasil e no mundo. Certamente, todas essas informações estão disponíveis a um toque no celular, mas esse conhecimento acumulado nos arquivos do Google e de outras plataformas digitais infelizmente não têm sido corretamente acessados e usados para garantir a manutenção desses biomas e da sua biodiversidade.
Para o leigo, a Amazônia é essa mancha verde que aparece de forma compacta ocupando, principalmente, o estado do Amazonas em mapas e imagens de satélite. Descrita como floresta tropical úmida, com chuvas diárias e alta umidade, é dita ser praticamente impossível de ser queimada. Mas, o bioma Amazônia e a extensão e diversidade de ambientes do que denominamos de Amazônia Legal é bem mais amplo do que esse espaço verde.
Por definição, bioma se refere a “um espaço geográfico de dimensões subcontinentais, com a predominância de características geomorfológicas, climáticas, e também de certo tipo de vegetação” e pode conter vários ecossistemas. Os ecossistemas, por sua vez, são os conjuntos de todos os seres vivos em geral que ocorrem em um bioma (fauna, flora, micro-organismos) interagindo entre si e com todo o conjunto de elementos do ambiente que não tem vida (biótopo), mas que são essenciais para a manutenção da vida desses organismos. O conceito Amazônia Legal, entretanto, foi “estabelecido pelo governo brasileiro para planejar e promover o desenvolvimento social e econômico dos Estados da região amazônica, que historicamente compartilham os mesmos desafios econômicos, políticos e sociais”. Abrange uma área de 5.217.423 km², cerca de 61% do território brasileiro. Além de abrigar todo o bioma Amazônia brasileiro, ainda contém 20% do bioma Cerrado e parte do Pantanal mato-grosseense. Inclui na sua totalidade os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins e parte do Maranhão. Nessa mega região, com três biomas, encontra-se também a maior bacia hidrográfica do mundo, a bacia Amazônica, e, portanto, uma altíssima biodiversidade.
De posse dessas informações básicas, fica mais fácil entender quando se fala em queimadas na Amazônia e como a supressão dos biomas periféricos dessa grande massa verde (floresta Amazônica) afeta todo o equilíbrio ecológico, climático e hidrológico dessa vasta região ou do bioma como um todo. Os principais problemas ambientais que afetam a floresta amazônica são o desmatamento, as queimadas, a criação de pastos, a disputa por terras, os assentamentos humanos, a mineração, as atividades ilegais de caça e pesca, a contaminação por resíduos químicos provenientes das indústrias, da agricultura e das cidades, além dos resíduos sólidos produzidos pela presença humana como, por exemplo, os plásticos em geral.
O desmatamento e as queimadas, quando comparados às outras ameaças, agem muito mais rápido e têm caráter irreversível, podendo ser rapidamente visualizados e medidos. O ano de 2020 será lembrado não só pela pandemia do Covid-19, mas também pela grande catástrofe ambiental decorrente das queimadas na Amazônia e no Pantanal. O desmatamento das áreas de borda das florestas aumenta a temperatura ambiental, reduz a humidade e o volume de chuvas locais, facilitando as queimadas e afetando diretamente os corpos de água e, consequentemente, toda a fauna aquática. Vários alertas foram e vêm sendo dados sobre os efeitos das queimadas e do desmatamento na região, mas pouco se tem feito para evitar essas catástrofes, muitas vezes de origem criminosa. Entre as diversas espécies, vimos recentemente as imagens de várias ariranhas mortas e queimadas em decorrência dos incêndios no Pantanal. A ariranha é o maior dos mustelídeos e pode alcançar 2,2 metros e 35 quilos. É uma espécie ameaçada de extinção na categoria de Vulnerável, devido à intensa caça que ocorreu no século passado pela sua valiosa pele e pela drástica alteração do seu habitat. Originalmente, ela ocorria praticamente em toda a América do Sul, mas hoje somente duas populações persistem: a do Pantanal e a da Amazônia.
A ariranha vive em grupos familiares e defende um território. Depende de um ambiente saudável, de rios não poluídos e dos peixes que nele ocorrem para a sua sobrevivência.
Com todos os incêndios, que ainda persistem, e a alta mortalidade dos animais em geral, fica difícil prever como essa e outras espécie, muitas endêmicas dessas regiões (que não existem em outros locais), irão sobreviver.
– Leia outros artigos da coluna AQUÁTICOS
Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es)