Bióloga, mestra em Biodiversidade em Unidades de Conservação e guia de observação de aves da Brazil Birding Experts pelo Sudeste e Nordeste do Brasil
observacaodeaves@faunanews.com.br
Quase sempre, quando alguém me pergunta com o que eu trabalho e eu respondo que é com turismo de observação de aves, a reação é uma cara de espanto e curiosidade. Em seguida vem a pergunta: “como assim? Isso existe? Como funciona?” E eu digo: “pois é, levo as pessoas para ver passarinhos!”. Na sequência, inicia-se uma conversa para explicar o que é esse tipo de turismo e, no geral, a curiosidade das pessoas que nem acreditam que alguém poderia ter esse tipo de trabalho fica aguçada.
Pode parecer bem estranho alguém ter essa profissão e viver de um turismo tão específico e que pouca gente sabe que existe. No entanto, a prática da observação de aves é uma atividade centenária e muito difundida na América do Norte e Europa e, na última década, tornou-se cada vez mais comum em países como Índia, China e aqui no Brasil. Estima-se que hoje, no Brasil, são mais de 50 mil observadores de aves, número que aumentou consideravelmente depois de eventos como o Avistar Brasil (que inclusive está com programação quase diária sobre aves através do canal do Youtube), o lançamento da plataforma WikiAves e o advento das câmeras fotográficas.
O que acontece na observação de aves é que, na maioria dos casos, quanto mais você estuda sobre as aves e compreende a diversidade de espécies mais vontade você tem de observá-las em campo. Com o tempo, depois de observar as aves da nossa região e conhecê-las, começamos a viajar para ver “novas espécies”, ou seja, aves que ainda não observamos (o que é chamado de lifer entre os observadores de aves, ou seja, uma nova espécie de ave para a nossa vida).
Os observadores de aves mantêm uma lista das espécies que já observaram (lifelist), outros fotografam as aves e alguns poucos gravam as vocalizações. No geral, esse material vai para plataformas de ciência cidadã como WikiAves e eBird (esse último é utilizado por observadores do mundo inteiro) ou até mesmo para rankings mundiais como o website SurfBirds, onde os primeiros do ranking já chegaram em quase 10 mil espécies de aves observadas ao redor do mundo (são cerca de 11 mil espécies no mundo inteiro).
A observação de aves acaba virando um grande jogo ou até mesmo uma coleção de figurinhas, mas é importante ressaltar que, mesmo dentro da observação de aves, é difícil determinar perfis de observadores. Podemos dizer que existem as pessoas que estão em busca de completar o seu álbum de figurinhas das mais variadas formas (observações através de binóculo, fotografia, sons), mas também existem as pessoas que só querem contemplar sem participar de nenhum ranking e sem fazer nenhuma lista, apenas pelo prazer de estar em contato com a natureza.
No meu caso, eu transito por vários desses perfis de observadores de ave. Participo de rankings, tenho minha lifelist, observo apenas para contemplar, enfim, o que me alegra é que, qualquer que seja a minha relação com a observação de aves, o resultado é o mesmo. São os grandes encontros com as aves, com as paisagens, com pessoas novas, com as minhas emoções e com momentos de profunda conexão com a natureza.
Já viajei por quase todos os Estados brasileiros observando aves e hoje, além de turista, eu também vivo desse turismo que movimenta uma grande cadeia de negócios desde os guias e condutores até os hotéis, restaurantes, postos de gasolina, locadoras de veículos, entre tantos outros serviços. No Brasil, mesmo com um número ainda reduzido de observadores de aves comparado com outros países, existe uma estimativa de que a atividade tenha potencial para gerar, anualmente, entre R$ 90,3 milhões a R$ 153,9 milhões, apenas pelos observadores de aves brasileiros (Booth, 2015).
Apesar de pouco conhecido, o turismo de observação de aves atrai tanto estrangeiros quanto brasileiros e tem um potencial de contribuir bastante com a economia do país. Atualmente, diversas pessoas e pousadas vivem basicamente dessa atividade. Além disso, é um turismo de baixo impacto, que se bem praticado traz benefícios para a saúde e, na maioria dos casos, para a conservação das espécies e dos ambientes. Por isso, observar aves é turismo, é contemplação, traz alegria, amigos, amplia os olhares e ainda muda a vida das pessoas e das aves!
Por trás de cada ave observada, existe uma memória, uma história e uma emoção. E assim, nós observadores, seguimos atrás das aves e de novas experiências.
Referência
– Booth, G.B.M.C. 2015. A atividade de observação de aves como fonte de financiamento para unidades de conservação. Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade de São Paulo.
– Leia outros artigos da coluna OBSERVAÇÃO DE AVES
Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es)