Por Kamila Bandeira
Bióloga com mestrado em Zoologia pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É doutoranda no mesmo programa, além de pesquisadora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Suas pesquisas estão focadas em Paleontologia de vertebrados
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Assim como ocorreu em 2020, o artigo do mês de dezembro é um balanço de tudo que ocorreu de bom no ano. 2021 trouxe muitas novidades no campo de Paleontologia de vertebrados aqui no Brasil. Tivemos a descrição de várias espécies novas, como do crocodiliforme Coronelsuchus (abordado aqui), que foi coletado no interior de São Paulo, e do pterossauro Kariridraco, coletado no Ceará, em rochas da formação Romualdo da bacia do Araripe. Grupos menos conhecidos pelo grande público, como os procolofonídeos, que foi representado este ano pelo Oryporan insolitus (ele foi abordado em março), e o mais recentemente descrito Microsphenodon bonapartei, um rincocéfalo (que foi a estrela em novembro). Esses dois últimos foram coletados em rochas triássicas do Rio Grande do Sul.
Vale salientar que este ano foi de grande destaque para os dinossauros brasileiros, com quatro espécies descritas! Interessantemente, todas elas de dinossauros terópodes, sendo provenientes das mais distintas regiões. O primeiro que destacamos foi o Ypupiara, coletado em Peirópolis, no interior de Minas Gerais (mais detalhes aqui).
Posteriormente, o abelissaurídeo Kurupi itaata, coletado na formação Marília, no estado de São Paulo, veio a público em setembro. O nome faz alusão ao deus da fertilidade tupi porque seus restos mortais foram encontrados perto de um motel. O Kurupi possui como fósseis encontrados três vértebras caudais e uma cintura pélvica incompleta. Ainda assim, os autores do trabalho estimaram que o animal teria por volta de cinco metros de comprimento, e teria sido um caçador de cauda rígida.
Mais recentemente, tivemos duas descrições seguidas: o Kaririavis mater, um parente distante das aves modernas coletado na formação Crato (bacia do Araripe), e o Berthasaura leopoldinae, o estranho dinossauro herbívoro da formação Goio-Erê, aflorante no Paraná. O fóssil do Kaririavis consiste em um único pé, mas ele é o ornituromorfo mais antigo conhecido de Gondwana. Já o Berthasaura possui um esqueleto desarticulado quase completo e é um dos mais completos dinossauros terópodes conhecidos do Brasil. Seu bico curto e desdentado sugere que era um herbívoro ou, pelo menos, um onívoro, ao contrário da maioria dos outros terópodes!
Por fim, outras importantes ocorrências de dinossauros abrilhantaram 2021. Tivemos o primeiro registro de dinossauro para o Jurássico no Brasil, uma vértebra caudal de carcharondontossaurídeo coletada em Pernambuco. Um fóssil espetacularmente completo de Tupandactylus navigans foi salvo do tráfico de fósseis e, graças a isso, os pesquisadores brasileiros puderem ter acesso a esse espécime que apresentava até mesmo a impressões de tecido mole. O estudo publicado sugeriu que o pescoço longo contrabalançava com a longa crista na cabeça durante os voos de longa distância. No entanto, os pesquisadores também concluíram que, por esses traços anatômicos, o Tupandactylus navigans seria capaz de voar somente por curtos períodos – como os faisões e os pavões fazem hoje em dia.
Pequenos ossinhos de aves apresentando dentes foram uma grata surpresa da cidade de Presidente Prudente (SP). Esses minúsculos ossos trouxeram muitas informações sobre a substituição dentária das aves primitivas. Por último, tivemos no final de novembro o primeiro registro de uma ungueal (a parte dura da unha dos dinossauros) de um espinossaurídeo do Brasil. Coletado em rochas da formação Itapecuru, no estado do Maranhão, o exemplar era um animal imaturo, o que é raro de se achar, e apresenta uma proporção quase duas vezes mais larga que sua profundidade proximal, uma característica que também foi encontrada no espinossauro (Spinosaurus aegyptiacus).
2021 foi um ano muito produtivo para a paleontologia brasileira e espero que 2022 traga muitas outras grandes novidades! Que todos tenham ótimas festas e uma excelente passagem de ano.
Para saber mais
– Beccari V., Pinheiro F. L., Nunes I., Anelli L. E., Mateus O., Costa, F. R. 2021. Osteology of an exceptionally well-preserved tapejarid skeleton from Brazil: Revealing the anatomy of a curious pterodactyloid clade. PLOS ONE. 16 (8): e0254789. doi:10.1371/journal.pone.0254789. PMC 8386889
– Carvalho I. S., Agnolin FL, Rozadilla S, Novas FE, Andrade JAFG, Xavier-Neto J. 2021. A new ornithuromorph bird from the Lower Cretaceous of South America. Journal of Vertebrate Paleontology: e1988623. doi: 10.1080 / 02724634.2021.1988623
– Cerqueira G.M., Santos M.A., Marks M.F., Sayão J.M., Pinheiro F.L. 2021. A new azhdarchoid pterosaur from the Lower Cretaceous of Brazil and the paleobiogeography of the Tapejaridae. Acta Palaeontologica Polonica. 66. doi:10.4202/app.00848.2020
– França TC, Brilhante NS, Nobre YOM, Medeiros MA, Lindoso RM, Costa FR. 2021. The first record of a spinosaurid pedal ungual from Brazil (Boca do Forno Ravine, Itapecuru Formation, Parnaíba Basin). Historical Biology, https://doi.org/10.1080/08912963.2021.1981890.
– Iori F.V., de Araújo-Júnior H.I., Simionato Tavares S.A., da Silva Marinho T., Martinelli A.G. 2021. New theropod dinosaur from the late Cretaceous of Brazil improves abelisaurid diversity. Journal of South American Earth Sciences: 103551. doi:10.1016/j.jsames.2021.103551. ISSN 0895-9811
– de Souza GA, Soares MB, Weinschütz LC, Wilner E, Lopes RT, de Araújo OM, Kellner AW 2021. The first edentulous ceratosaur from South America. Scientific Reports. 11 (1): Article number 22281. doi:10.1038/s41598-021-01312-4
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